São Paulo, sábado, 09 de setembro de 2006

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Mautner lança sua ode à "brasilificação"

Em "O Filho do Holocausto", escritor fala de sua vinda para o Brasil e da reconstrução pessoal por que teve que passar

Primeiro encontro com a brasilidade aconteceu com a babá filha-de-santo, que o embalava na pensão onde morava, no Rio de Janeiro


DA REPORTAGEM LOCAL

O livro de memórias que o cantor, músico, compositor e escritor Jorge Mautner, 65, lança hoje, em São Paulo, é uma ode à "brasilificação" do mundo, como o próprio autor define. Ou mais um samba-exaltação ao país de uma "vítima salva pela generosidade natural de um país-continente", como diz Caetano Veloso, no prefácio.
Em "O Filho do Holocausto", Mautner narra suas memórias de filho de pais refugiados do nazismo, no Brasil, depois de passagens pela Itália e por Portugal. E o histórico do abrigo caloroso, no país distante da Áustria natal de sua família, seria, diz ele, uma reafirmação da gênese das idéias do artista.
"Toda a minha obra é um caos. Uma visão de um poeta que foi desconstruído pelo Holocausto e teve que se reconstruir com todos os dados maravilhosos do Brasil, e essa é a essência do livro", diz Mautner à Folha. "O que seria para alguns uma desconstrução conceitual, no meu caso foi necessidade pessoal. Uma reconstrução a partir das ambivalências e contrastes de família européia refugiada no Brasil."
O marco inicial do encontro de Mautner, filho de pai judeu (Paul) com mãe católica (Ana), com a brasilidade, se dá ainda muito pequeno, com a babá Lúcia. Filha-de-santo do candomblé, ela o embalava na pensão em que moravam na rua Cândido Mendes, no Rio de Janeiro, onde nasceu no dia 17 de janeiro de 1941. Foi dali que George Henrique Mautner, aos quatro anos, partiu para ver as comemorações do fim da Segunda Guerra, em 18 de julho de 1945.
A lembrança deste dia é ponto de partida para Mautner fazer sua ode ao Brasil. Do Rio, onde recebia acenos do presidente Getúlio Vargas, do Palácio do Catete, Mautner foi para São Paulo, em 1948, com pais separados, e agora vivendo com um padrasto alemão ("o inimigo, entre aspas, porque era pessoa boníssima, um pacifista").

Chuva cinza
Na Paulicéia, ele tem novamente que se reconstruir e aprender a amar a cidade cuja "chuva e cor cinza" ele inicialmente odiava. "Tinha apenas sete anos e superei um pessimismo abismal", conta Mautner, que anos depois, em 1956, começava a escrever seu primeiro livro, "Deus da Chuva e da Morte", que lhe valeu o Prêmio Jabuti de autor-revelação em 1962, e em que ele "saudava a tristeza e a chuva como sendo minhas irmãs, e a melancolia da cor cinza e o despedaçamento kaótico, como meus irmãos".
Com a gênese da sua filosofia do Kaos, Mautner encerra o fio das suas memórias, de infância e adolescência, ilustrado com fotos de seu álbum de família. "O resto eu já escrevi em termos de ficção ou diários", diz o escritor, sem descartar novo livro autobiográfico. "Vivendo no caos, nunca se sabe."
O livro termina com letras de canções "harmônicas e dissonantes", que Mautner compôs entre 1956 e 1958, entre elas "Vampiro". E um posfácio assinado pelo amigo Gilberto Gil, em que ele diz que, ainda que a ciência e a arte pudessem representar a complexidade da presença humana na vida, "seria difícil que elas pudessem (...) representar a complexidade que se reúne nesse homem". (EDUARDO SIMÕES)

O FILHO DO HOLOCAUSTO
Autor:
Jorge Mautner
Editora: Agir
Quanto: R$ 34,90 (190 págs.)
Lançamento: segunda-feira, dia 11/9, às 20h, na Livraria da Vila (r. Fradique Coutinho, 915, tel. 0/xx/11/3814-5811)


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