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BIA ABRAMO
O caráter traiçoeiro das dublagens
Quem gosta de séries quer estar o mais próximo possível do universo ali delineado
DUAS NOTÍCIAS recentes chamam a atenção para certa ta
imprevisibilidade do gosto
do público, no qual esta coluna costuma insistir e para o qual a sensibilidade dos executivos da TV parece
estar embotada.
Na semana passada, a coluna de
Daniel Castro revelou que os primeiros números divulgados pelo
Ibope indicam que a decisão de exibir séries dubladas pode ter sido
equivocada para a Fox. Como o instituto não divulga audiência da TV paga, trata-se do alcance, ou seja, do
número de televisores ligados pelo
menos um minuto naquele canal:
em julho, mês em que a Fox passou a
exibir todas as suas séries dubladas,
o alcance diário do canal caiu 10%
em relação ao mês anterior.
No caso da versão brasileira de
"Desperate Housewives", da Rede
TV!, a coisa é ainda mais dramática:
em três semanas de exibição, a audiência caiu 40%. Saiu de um patamar de cinco pontos, considerado
razoável dada a emissora e o horário,
e caiu para três.
A opção da Fox pela dublagem parece ser uma simples tentativa de
atingir uma audiência maior, que seria, nessa concepção, menos afeita a
ler legendas. Legítimo, claro, mas
talvez pouco perspicaz em relação
ao que constitui um dos maiores
apelos das séries. As séries são
atraentes pelas tramas e pelos personagens, claro, mas quem gosta de
séries também quer estar o mais
próximo possível daquele universo
ali delineado -e isso inclui a língua.
A rejeição à dublagem não se deve
apenas às perdas eventuais da graça
de certas expressões (que fatalmente ocorrem), por melhor que ela seja
feita. O problema é que ela se interpõe, lembrando constantemente ao
espectador que ele está excluído daquele universo, daquele modo de vida, daquilo que as séries sugerem como modelos de consumo e atitude.
Na língua original, mesmo com as
legendas, fica mais fácil para o espectador se sentir parte de uma espécie
de uma certa comunidade global
imaginária, sintonizada nas mesmas
questões e em maneiras semelhantes de expressá-las.
Se a proximidade do espectador
com a série fica, digamos, relativamente comprometida com a dublagem, o que dizer de uma versão que
faz uma espécie de dublagem de corpos e objetos de cena, como em "Donas de Casa Desesperadas"? A produção argentino-brasileira seguiu
todas as instruções ao pé da letra,
mas isso não conseguiu transformá-la exatamente numa série.
Nos dois casos, parece que as apostas em direção a uma certa facilitação -dublagem, versão com atores
brasileiros- não têm relação direta
com um maior apelo de público.
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