São Paulo, segunda-feira, 09 de outubro de 2000

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DVD/CRÍTICA

Nem tudo é verdade em "F for Fake", de Orson Welles

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DE CINEMA

Chama-se filme-testamento, normalmente, aquele em que um cineasta, ao encerrar sua obra, resume o que foi sua trajetória. Há dois obstáculos para que "F for Fake" (ou "Verdades e Mentiras") possa ser chamado assim. O primeiro é que, depois deste filme de 73, Orson Welles ainda faria "Filming Othello", em 79.
O segundo, mais importante, gira em torno da natureza mesmo do filme que a Continental está lançando junto com "Mr. Arkadin" ("Grilhões do Passado"). Para começar, Welles partiu de um material filmado por François Reichenbach sobre o falsário de quadros Elmyr de Hory e seu biógrafo, Clifford Irving.
Trata-se, portanto, na melhor das hipóteses, de uma parceria. Mas Welles vai mais longe. Já que trata de um falsário genial, o filme instaura de início a discussão sobre autoria, pedra de toque do cinema moderno. Quando De Hory faz um Picasso e o vende a um museu, quem é o autor desse quadro: Picasso ou De Hory?
"F for Fake" é uma raridade por vários títulos. Se coloca em seu centro a discussão sobre o falso e o verdadeiro, o real e a ficção -em última análise, sobre a natureza do mundo (não seria ele um produto de nossa imaginação?)-, ao mesmo tempo estilhaça velhas divisões com as quais nos habituamos. "F for Fake" seria um filme de ficção, um documentário, um ensaio?
Tudo isso e nada disso ao mesmo tempo. Talvez o próprio Welles pertença a esse mundo de falsários. Pois não foi ele que, adolescente, apresentou-se na Inglaterra como um célebre ator shakespeariano? E que mais tarde provocou comoção com a versão radiofônica de "A Guerra dos Mundos", de H.G. Wells?
Não à toa, o filme começa com Welles exibindo seus dotes de prestidigitador a um menino que vê chaves sumirem e reaparecem diante de si. A realidade -ou o realismo, pelo menos- é um truque como a mágica: existe aquilo em que acreditamos. Ponto.
Existe, sobretudo, a montagem. E é a montagem -que Welles quase eliminara em seu primeiro filme, "Cidadão Kane" (1941)- o que faz a verdade de "F for Fake". Um filme que, para completar (e nisso a idéia de testamento é irretocável), sumiu do mapa tempos depois de seu lançamento em cinemas e hoje volta na condição de raridade. É o que basta para tornar suportável, no mais, a duvidosa qualidade da cópia de agora.
Se o lançamento de "Mr. Arkadin" (1955) fica ligeiramente em segundo plano, é em primeiro lugar porque não tem a aura de raridade que envolve "F for Fake".
O filme gira em torno de um milionário que contrata uma investigação a respeito de seu próprio passado, tão misterioso quanto o presente. Não só as descobertas como as decorrências delas farão o mistério da trama.
As semelhanças com "Kane" são óbvias demais para não serem notadas. Em parte por isso, o filme é notável. Mas também por isso a comparação pode ser desfavorável a este trabalho, em que Welles não teve nem sombra das condições de que dispôs para chegar àquele.


Verdades e Mentiras (F for Fake)
     Produção: França/Irã, 1974

Grilhões do Passado (Mr. Arkadin)
    Direção: Orson Welles Produção: França/Espanha/Suíça, 1955 Lançamento: Continental Home Video (tel. 0/xx/11/283-5255) Quando: hoje, às 22h, no Orbital (r. Augusta, 2.849, Jardins, tel. 0/xx/11/5096-0747)

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