São Paulo, domingo, 09 de outubro de 2005

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CRÍTICA

"Madame Lee" desperdiça doidice de Rita

BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA

Rita Lee foi passear um dia no espaço sideral e de lá voltou Madame Lee, uma entidade curandeira. Montou um consultório todo "high-tech" no GNT, e, pena, tudo o que conseguiram imaginar para ela é mais um "talk show"...
Rita tem uma inegável inclinação teatral. Desde a época dos Mutantes, banda que tinha uma concepção bem sofisticada (e divertida) de performance de palco, até essa última experiência em TV, como a maluca de plantão da primeira encarnação do "Saia Justa", a personalidade essencialmente anárquica de Rita e sua capacidade de incorporar personagens sempre foram garantia de interesse.
O problema é sustentar esse interesse por mais de um hora em uma atração tão surrada quanto um "talk show".
Está na origem do conceito do "talk show" a expectativa de que qualquer conversa possa se transformar em espetáculo, mas não é verdade, simples assim. Mesmo que, digamos, todos os elementos -tema, entrevistador(es), entrevistado(s)- envolvidos sejam em tese atraentes, é preciso mais do que isso para esse tipo de programa se distinguir. Às vezes, é simplesmente o que, de fato, as pessoas têm a dizer. Às vezes, é a personalidade do entrevistador e sua agilidade em entrar e sair de primeiro plano. E ainda, em outras, são as circunstâncias políticas e sociais que acabam fazendo qualquer conversa soar, mais do que interessante, imprescindível.
Caso contrário, o "talk show" cumpre a função melancólica de preencher os silêncios da solidão, substituindo a sociabilidade e criando uma sala de estar virtual povoada por fantasmas e conversa fiada.
Em suma, embora pareçam simples e sejam evidentemente de produção mais barata, programas de entrevistas e de conversa entre personalidades tendem mais a não funcionar do que o contrário.
E aqueles que funcionam investem de maneira constante na parafernália do espetáculo. Não é à toa que um decano como David Letterman continue inventando brincadeiras, gags visuais e cênicas, além de obedecer a uma coreografia para lá de precisa na hora da entrevista. Ou que Oprah Winfrey tenha se especializado de tal forma em arrancar revelações que seus entrevistados já vão bem ensaiadinhos para abrir sua intimidade ou inventar alguma coisa que faça as vezes.
"Madame Lee", por ora, desperdiça a mise-en-scéne doidona, o talento cômico de Rita e até mesmo a caretice segura de Roberto de Carvalho e vem engrossar as fileiras dos vários "talk shows" inexpressivos e irrelevantes.
Quem sabe com alguém que sintonize melhor a vibe pirada de Rita Lee, como Tom Zé, que estará no programa que vai ao ar hoje à noite, aconteça a alquimia capaz de transformar chumbo em pelo menos cobre, bronze, alguma coisa mais brilhante.

biabramo.tv@uol.com.br

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