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CRÍTICA
"Madame Lee" desperdiça doidice de Rita
BIA ABRAMO
COLUNISTA DA FOLHA
Rita Lee foi passear um dia
no espaço sideral e de lá voltou Madame Lee, uma entidade
curandeira. Montou um consultório todo "high-tech" no GNT,
e, pena, tudo o que conseguiram
imaginar para ela é mais um
"talk show"...
Rita tem uma inegável inclinação teatral. Desde a época dos
Mutantes, banda que tinha uma
concepção bem sofisticada (e divertida) de performance de palco, até essa última experiência
em TV, como a maluca de plantão da primeira encarnação do
"Saia Justa", a personalidade essencialmente anárquica de Rita e
sua capacidade de incorporar
personagens sempre foram garantia de interesse.
O problema é sustentar esse interesse por mais de um hora em
uma atração tão surrada quanto
um "talk show".
Está na origem do conceito do
"talk show" a expectativa de que
qualquer conversa possa se
transformar em espetáculo, mas
não é verdade, simples assim.
Mesmo que, digamos, todos os
elementos -tema, entrevistador(es), entrevistado(s)- envolvidos sejam em tese atraentes, é
preciso mais do que isso para esse tipo de programa se distinguir.
Às vezes, é simplesmente o que,
de fato, as pessoas têm a dizer. Às
vezes, é a personalidade do entrevistador e sua agilidade em entrar e sair de primeiro plano. E
ainda, em outras, são as circunstâncias políticas e sociais que
acabam fazendo qualquer conversa soar, mais do que interessante, imprescindível.
Caso contrário, o "talk show"
cumpre a função melancólica de
preencher os silêncios da solidão,
substituindo a sociabilidade e
criando uma sala de estar virtual
povoada por fantasmas e conversa fiada.
Em suma, embora pareçam
simples e sejam evidentemente
de produção mais barata, programas de entrevistas e de conversa entre personalidades tendem mais a não funcionar do que
o contrário.
E aqueles que funcionam investem de maneira constante na
parafernália do espetáculo. Não é
à toa que um decano como David
Letterman continue inventando
brincadeiras, gags visuais e cênicas, além de obedecer a uma coreografia para lá de precisa na
hora da entrevista. Ou que Oprah
Winfrey tenha se especializado
de tal forma em arrancar revelações que seus entrevistados já
vão bem ensaiadinhos para abrir
sua intimidade ou inventar alguma coisa que faça as vezes.
"Madame Lee", por ora, desperdiça a mise-en-scéne doidona, o talento cômico de Rita e até
mesmo a caretice segura de Roberto de Carvalho e vem engrossar as fileiras dos vários "talk
shows" inexpressivos e irrelevantes.
Quem sabe com alguém que
sintonize melhor a vibe pirada de
Rita Lee, como Tom Zé, que estará no programa que vai ao ar hoje
à noite, aconteça a alquimia capaz de transformar chumbo em
pelo menos cobre, bronze, alguma coisa mais brilhante.
biabramo.tv@uol.com.br
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