São Paulo, segunda-feira, 09 de outubro de 2006

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GUILHERME WISNIK

O horizonte negativo


Livro do urbanista Mike Davis analisa mudanças ocorridas em metrópoles do Terceiro Mundo nos anos 80 e 90

SERÁ" LANÇADO amanhã o livro "Planeta Favela" (Boitempo, 272 págs., R$ 38), do urbanista e pesquisador americano Mike Davis. A realizar-se na FAU Maranhão (r. Maranhão, 88, Higienópolis, SP), a partir das 18h30, o evento inclui debate com os professores Chico de Oliveira, Luís César de Queiroz Ribeiro e Ermínia Maricato. Intelectual marxista de origem operária, e chofer de caminhão, Davis é autor, entre outros, do clássico "Cidade de Quartzo Escavando o Futuro em Los Angeles" (Scritta Editorial, 1993, esgotado).
Com posfácio de Ermínia Maricato e um caderno de fotos de André Cypriano, "Planeta Favela" desdobra e amplifica questões formuladas em artigo homônimo de 2004, já comentado nessa coluna (em 3 e 10 de julho deste ano).
Em linhas gerais, o livro descreve e analisa, a partir de uma sólida massa de dados, as dramáticas transformações urbanas ocorridas nas metrópoles do Terceiro Mundo nos anos 1980 e 1990, através das políticas econômicas impostas pelo FMI e pelo Banco Mundial. Vale dizer, anos de intensa urbanização sem industrialização, e acompanhada da explosão do trabalho informal e das favelas: "resíduos globais" responsáveis por "armazenar o excedente de humanidade do século 21".
Assim, traça o retrato de uma nova geografia humana das metrópoles, caracterizada pelo convívio contrastante entre massas de excluídos e "ilhas de riqueza" (condomínios ricos fortificados) -estas, interconectadas tanto por auto-estradas e aeroportos quanto por sistemas de identidades criadas pelo consumo de marcas publicitárias. Enclaves dissociados do seu entorno imediato, mas integrados no sistema de signos da globalização, essas "ilhas" são habitadas por indivíduos que se sentem menos cidadãos dos seus países do que "patriotas da riqueza mundial".
Diagnosticando o crescimento endêmico do fanatismo religioso nas favelas e o abandono, por parte do Estado, das políticas de bem-estar social e do suprimento de infra-estrutura básica, Davis parece não ver redenção possível nas redes de solidariedade criadas nessas comunidades, cujas lutas são episódicas e descontínuas. Igualmente, considera ilusórias as ações de ONGs e movimentos sociais no sentido de procurar reverter a marcha da pobreza urbana. A "radicalidade" dessa crítica, no entanto, não escapa de ser taxada de catastrofista. Refiro-me, por exemplo, aos ataques feitos por Tom Angotti, professor no Hunter College de Nova York, parcialmente endossados por Maricato. Para Angotti, o discurso de Davis, além de imobilista, revela-se, no fundo, moralista e antiurbano. Também em contraposição a Davis, poderíamos lembrar de Milton Santos, para quem as áreas pobres, dada a "lentidão" e a "opacidade" dos seus territórios, são os lugares da "redenção possível" no mundo contemporâneo.
Se, em lente aproximada, podemos objetar que as favelas brasileiras não são sinônimos absolutos de anemia e marginalização, em registro ampliado, devemos admitir que a negatividade de sua análise é o ponto de partida mais realista para qualquer projeto de ação futura.


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