São Paulo, terça-feira, 09 de outubro de 2007

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Nova ordem provoca disputa na música

Gravadoras assumem o comando da carreira de artistas como Ana Cañas e Maria Rita; empresários do setor reclamam

A Day1, que substitui a Sony BMG, cuidará da carreira de Cañas, que lança seu disco de estréia em novembro; Maria Rita está com Warner

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Há uma nova ordem tomando forma no mundo musical do Brasil. Quem melhor exemplifica essas mudanças é uma cantora de 27 anos que está sendo tratada como uma das principais promessas de voz do país.
Em abril de 2006, a Ilustrada publicava reportagem sobre o encolhimento do mercado de venda de CDs, que gerou, como conseqüência, uma movimentação das gravadoras para buscar novas formas de ganho com seus artistas, como a divisão da renda da bilheteria de shows.
Essa movimentação consolidou-se definitivamente nos últimos dias, quando a Day1 fechou contrato com sua primeira artista, a cantora Ana Cañas.
A multinacional Sony BMG mudou sua razão social para Day1 Entertainment. O objetivo? Deixar de ser apenas gravadora para tornar-se "gerenciadora da carreira de artistas".
Além de lançar o disco de Cañas, no início de novembro, a Day1 cuidará de toda a carreira da cantora: agendamento de shows, negociação de patrocínios, venda de merchandising... Em outras palavras: a gravadora virou empresária da artista.
"É um contrato direto, não tem intermediário. Se preciso de qualquer coisa, falo diretamente com eles", contou Cañas, que protagonizou uma bem-sucedida temporada no Baretto, em São Paulo. "Eles vão ter uma porcentagem [sobre a renda de shows], mas isso seria lógico, pois eles divulgam meu trabalho, meus shows."
Para nomes novos, esse tipo de contrato, "direto", sem a intermediação de empresários, está virando norma; a gravadora terá participação não apenas na venda de discos, mas em outros negócios desses artistas.
Mesmo artistas experientes estão sendo seduzidos por essa nova estratégia das gravadoras. Maria Rita, por exemplo, deixou a produtora Macuco para ser agenciada pela Warner, que lançou há pouco "Samba Meu", o terceiro álbum da cantora.

Gravadoras x empresários
Essa nova ordem do mercado fonográfico vem causando atritos entre alguns envolvidos nesse organismo. A principal disputa ocorre entre as gravadoras e empresários de artistas.
"Eles estão pensando que show é salvação? O mercado de shows está caído. Além do caso da carteirinha de estudante, temos hoje uns 180 canais de televisão, internet, está difícil massificar um artista", diz o empresário Marcelo Lobato, 39, da Na Moral Produções, que cuida da carreira de Marcelo D2, Pitty, Lobão, entre outros. ""Nego" tá achando que show é salvação... Eles estão chegando tarde para a festa."
"Antigamente havia verba de marketing, para fazer clipes, adiantamento... Tudo vindo da gravadora. Agora eles querem tirar tudo isso e ainda entrar no meu negócio?", reclama. "Não preciso de gravadora. Se quiser, eu mesmo gravo o disco do D2, prenso os CDs e coloco para vender. Posso até negociar patrocínio com alguma telefônica... O negócio deles está em xeque. Para entrar no mercado de shows, tem de ter know-how."
"É um processo inevitável. As gravadoras não foram desafiadas a mudar o modelo de negócio delas? O outro mercado, o dos empresários, tem de se adaptar a isso", rebate Alexandre Schiavo, diretor da Day1.
A metáfora do bolo é utilizada para ilustrar a nova ordem.
"Os empresários têm que diminuir sua fatia do bolo. Isso para manter o bolo, porque, senão, não vai mais ter bolo", opina Rick Bonadio, 38, que gerencia as bandas CPM 22 e NXZero e que, por meio da Arsenal Eventos, trabalha em parceria com a gravadora Universal.
"As gravadoras já deveriam estar fazendo isso há tempos. Em 2001, quando saí da Virgin e abri meu selo [Arsenal Music], fiz isso: um selo com agência de entretenimento", diz Bonadio. "Os artistas e os empresários já ganharam muito dinheiro às custas das gravadoras. E ninguém nunca agradeceu. Enquanto a gravadora era lucrativa, cada um tinha seu espaço. Agora ficou desequilibrado. A gravadora investe uma fortuna num artista e não consegue recuperar esse dinheiro apenas com a venda de CDs."
"Não quero dividir a fatia de bolo de nenhum empresário", afirma Schiavo. Ele cita como exemplo a relação da Day1 com a Agência Produtora -esta última é a responsável por negociar a agenda de shows de alguns artistas da gravadora.
Para Leonardo Netto, empresário de Marisa Monte e Adriana Calcanhotto, os artistas já estabelecidos não aceitarão mudar seus contratos. "São artistas que já contam com estrutura empresarial. Agora, os mais novos terão que se adaptar a esse novo mundo."
"Por muito tempo a indústria sobreviveu apenas com a venda de discos", afirma José Antonio Eboli, presidente da Universal do Brasil. "Hoje isso não é mais suficiente. É justo que tenhamos parte nessa nova equação."


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