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Comida
Em busca da araruta
Projetos tentam retomar cultura da araruta, da qual se extrai polvilho usado para fazer bolos como brevidade
JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando abriu a caixa recebida pelo correio e viu três rizomas de araruta e dois quilos da
fécula, a reação foi de "encantamento". Na memória de Mara
Salles, chef do Tordesilhas, a
imagem da araruta ainda estava viva, apesar de não botar os
olhos em uma havia décadas.
"Lembrava que tinha cor de
marfim, um brilho e aqueles
anéis. Quando era criança, comia muito polvilho de araruta
na fazenda. Depois, sumiu. Fazia uns 30 anos que não via
mais, mas nunca esqueci", diz
Mara, que no último mês usou a
fécula para fazer sequilhos servidos no "Raízes do Brasil".
Sumiço é a palavra que melhor explica o que houve com a
araruta, uma planta originária
das regiões tropicais da América do Sul, de rizoma fibroso, do
qual se extrai um amido finíssimo e extremamente branco.
Cultivada pelos índios, tinha finalidade alimentar e terapêutica, contra diarréia e feridas.
"É uma espécie que praticamente entrou em extinção. Sofre com a concorrência de outras féculas, como a de mandioca, o amido de milho e o trigo",
diz o engenheiro agrônomo
Adelmo Pinheiro, da Empresa
Baiana de Desenvolvimento
Agrícola. "Faz parte de uma lista da FAO [Organização das
Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação] como
uma cultura negligenciada."
Constantemente confundida
com a fécula de mandioca, a de
araruta lembra a primeira apenas na aparência. Por isso, é comum venderem fécula de mandioca como sendo de araruta
-um produto mais nobre, que
rende menos que a mandioca e,
conseqüentemente, custa mais.
"Tem pacotinhos em que há
"ararutinha" escrito e, quando
você vai olhar nos ingredientes,
diz que é fécula de mandioca.
Como pode? E há quem venda
como sendo araruta, mas, na
verdade, não passa de mandioca", diz a nutricionista Neide
Rigo, autora do blog Come-se
(come-se.blogspot.com).
A pedido da Folha, Neide
preparou dois quitutes clássicos feitos com araruta: brevidade e biscoito. Fez duas receitas
de cada, uma usando fécula de
araruta e outra, de mandioca
-ambas com exatamente as
mesmas medidas e proporções.
"O que se nota é que a araruta é mais expansível. E com isso, fica mais leve, aerada, crocante. De sabor, achei pequena
a diferença", diz.
A araruta usada na comparação veio da Embrapa Agrobiologia Seropédica, no Rio, que
lançou em 2005 uma cartilha
para tentar resgatar a cultura
da araruta e tem uma fazendinha onde o rizoma é plantado.
"É uma fécula mais cara e
mais difícil, porque dá menos
que a mandioca. Aí, esquecemos esse troço pra lá e acabamos comendo o que a indústria
faz. É uma pena perder uma
planta dessas. Como ela, devemos estar perdendo mais um
monte que nem conhecemos.
Agora só se quer comprar Pringles", diz a bióloga Maria Cristina Prata Neves, pesquisadora
do Embrapa e uma das autoras
da cartilha. "Quando não é araruta, o biscoito fica pesado, duro. Se você mastiga um de araruta, ele esfacela todinho."
Espaços de resistência
É nas pequenas propriedades
que a cultura da araruta tem sobrevivido. Em Campos dos
Goytacazes (RJ), há um projeto
de sustentabilidade ancorado
no rizoma cuja intenção é
transformar a região de Rio
Preto em referência na produção do polvilho e de seus quitutes. Foi no sítio de Maria Celeste e Eliseu Vaillant que a idéia
nasceu. A tradição do cultivo foi
herdada da família de Eliseu, de
Alegre (ES). "Usamos para o
nosso consumo. Até pensei em
vender a fécula, mas, por ser
bem artesanal, o preço é alto.
Distribuo mudas a quem quiser", diz Maria Celeste, que fez
até uma música para a araruta.
No Recôncavo Baiano, a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola e a Associação
de Produtores Orgânicos da
Bahia também têm um projeto
para tentar retomar o cultivo. A
experiência começou com o
agricultor Pedro Cone, que há
dois anos e meio planta araruta
e processa uma parte para vender na região, em Conceição do
Almeida. "No passado, os mais
velhos usavam muito. Estamos
tentando revitalizar esse cultivo." E dá para encomendar? "Se
for uma quantidade pequena,
eu consigo", diz Cone. "Tenho
em estoque de 70 a 80 saquinhos de 100 g." Se alguém quiser provar, o telefone do produtor é 0/xx/75/8129-1719.
Leia receitas com araruta
www.folha.com.br/082823
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