São Paulo, quinta-feira, 09 de outubro de 2008

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Comida

Em busca da araruta

Projetos tentam retomar cultura da araruta, da qual se extrai polvilho usado para fazer bolos como brevidade

JANAINA FIDALGO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando abriu a caixa recebida pelo correio e viu três rizomas de araruta e dois quilos da fécula, a reação foi de "encantamento". Na memória de Mara Salles, chef do Tordesilhas, a imagem da araruta ainda estava viva, apesar de não botar os olhos em uma havia décadas.
"Lembrava que tinha cor de marfim, um brilho e aqueles anéis. Quando era criança, comia muito polvilho de araruta na fazenda. Depois, sumiu. Fazia uns 30 anos que não via mais, mas nunca esqueci", diz Mara, que no último mês usou a fécula para fazer sequilhos servidos no "Raízes do Brasil".
Sumiço é a palavra que melhor explica o que houve com a araruta, uma planta originária das regiões tropicais da América do Sul, de rizoma fibroso, do qual se extrai um amido finíssimo e extremamente branco.
Cultivada pelos índios, tinha finalidade alimentar e terapêutica, contra diarréia e feridas.
"É uma espécie que praticamente entrou em extinção. Sofre com a concorrência de outras féculas, como a de mandioca, o amido de milho e o trigo", diz o engenheiro agrônomo Adelmo Pinheiro, da Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola. "Faz parte de uma lista da FAO [Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação] como uma cultura negligenciada."
Constantemente confundida com a fécula de mandioca, a de araruta lembra a primeira apenas na aparência. Por isso, é comum venderem fécula de mandioca como sendo de araruta -um produto mais nobre, que rende menos que a mandioca e, conseqüentemente, custa mais.
"Tem pacotinhos em que há "ararutinha" escrito e, quando você vai olhar nos ingredientes, diz que é fécula de mandioca.
Como pode? E há quem venda como sendo araruta, mas, na verdade, não passa de mandioca", diz a nutricionista Neide Rigo, autora do blog Come-se (come-se.blogspot.com).
A pedido da Folha, Neide preparou dois quitutes clássicos feitos com araruta: brevidade e biscoito. Fez duas receitas de cada, uma usando fécula de araruta e outra, de mandioca -ambas com exatamente as mesmas medidas e proporções.
"O que se nota é que a araruta é mais expansível. E com isso, fica mais leve, aerada, crocante. De sabor, achei pequena a diferença", diz.
A araruta usada na comparação veio da Embrapa Agrobiologia Seropédica, no Rio, que lançou em 2005 uma cartilha para tentar resgatar a cultura da araruta e tem uma fazendinha onde o rizoma é plantado.
"É uma fécula mais cara e mais difícil, porque dá menos que a mandioca. Aí, esquecemos esse troço pra lá e acabamos comendo o que a indústria faz. É uma pena perder uma planta dessas. Como ela, devemos estar perdendo mais um monte que nem conhecemos.
Agora só se quer comprar Pringles", diz a bióloga Maria Cristina Prata Neves, pesquisadora do Embrapa e uma das autoras da cartilha. "Quando não é araruta, o biscoito fica pesado, duro. Se você mastiga um de araruta, ele esfacela todinho."

Espaços de resistência
É nas pequenas propriedades que a cultura da araruta tem sobrevivido. Em Campos dos Goytacazes (RJ), há um projeto de sustentabilidade ancorado no rizoma cuja intenção é transformar a região de Rio Preto em referência na produção do polvilho e de seus quitutes. Foi no sítio de Maria Celeste e Eliseu Vaillant que a idéia nasceu. A tradição do cultivo foi herdada da família de Eliseu, de Alegre (ES). "Usamos para o nosso consumo. Até pensei em vender a fécula, mas, por ser bem artesanal, o preço é alto.
Distribuo mudas a quem quiser", diz Maria Celeste, que fez até uma música para a araruta.
No Recôncavo Baiano, a Empresa Baiana de Desenvolvimento Agrícola e a Associação de Produtores Orgânicos da Bahia também têm um projeto para tentar retomar o cultivo. A experiência começou com o agricultor Pedro Cone, que há dois anos e meio planta araruta e processa uma parte para vender na região, em Conceição do Almeida. "No passado, os mais velhos usavam muito. Estamos tentando revitalizar esse cultivo." E dá para encomendar? "Se for uma quantidade pequena, eu consigo", diz Cone. "Tenho em estoque de 70 a 80 saquinhos de 100 g." Se alguém quiser provar, o telefone do produtor é 0/xx/75/8129-1719.


Leia receitas com araruta
www.folha.com.br/082823



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