|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
29ª BIENAL DE ARTES
Ianês volta à Bienal em busca da voz
Artista que viveu nu no pavilhão vazio há dois anos faz nova performance em que reúne relatos de visitantes
De plantão na Bienal, ele vai entrevistar o público sobre memórias com a linguagem e a sensação de falta dela
SILAS MARTÍ
DE SÃO PAULO
Maurício Ianês não esquece o dia em que aprendeu a
desenhar os contornos da letra "A". Numa sala de aula, o
artista teve o que chamou depois de sua primeira experiência com a linguagem.
Quando perdeu a mãe, aos
15 anos de idade, ficou mudo
diante do fato. Estava forjada
sua primeira experiência de
falta de linguagem, sensação
de não encontrar palavras.
Na Bienal de São Paulo, Ianês agora pergunta ao público sobre essas lembranças,
tentando colecionar relatos
de presença e ausência do
verbo que serão lidos no fim
deste mês numa grande performance, com leitores espalhados pelo primeiro andar
do pavilhão no Ibirapuera.
"Me interessa esse momento da linguagem como a
definição do mundo, nossas
memórias são contaminadas
pela língua", diz Ianês. "Tento lidar com esse jogo entre
linguagem, memória e a
construção de um mundo."
Ele também tenta construir agora uma enorme massa sonora de relatos anônimos. Lidos ao mesmo tempo,
têm um impacto difuso, sons
que se desmancham no ar
com fragmentos de memória.
Todos os dias, Ianês pretende ficar de plantão na Bienal, sentado numa mesa, à
espera de quem quiser dividir com ele suas lembranças.
"Vou ficar ali como faísca para ativar os pensamentos",
diz o artista. "Quero ver até
onde vai a performance nesse diálogo com o público."
É uma estratégia mais sutil
do que sua ação na última
Bienal, quando morou no pavilhão deixado vazio pelos
curadores há dois anos. Ele
começou nu uma performance sobre a dependências dos
outros. Em poucos dias, já tinha roupas, comida e tudo
que precisasse para viver.
POLÊMICA FÁCIL
"Essa performance agora
começa mais focada, sem a
polêmica fácil da nudez", diz
Ianês. "Ali a gente tinha focos de sensibilização mais
agudos, agora são mais tranquilos, é a mesma discussão,
mas a fórmula é outra."
No fim das contas, é como
se tentasse encadear uma série de tentativas fracassadas
de comunicação em monólogos sobrepostos. Em vez de
falas soltas, Ianês acaba orquestrando um murmúrio
que pode beirar a música.
"Quero criar com a voz
uma paisagem sonora", resume o artista. "Fiquei muito
tempo ligado à escrita e agora vejo na voz um fenômeno
originário da comunicação."
Vestido, Ianês agora fala
de outro tipo de nudez. É como se apontasse a crueza da
linguagem que reverbera no
espaço com a mesma dependência dos outros para que
possa valer alguma coisa.
Texto Anterior: Mutantes lançam primeiro CD de inéditas em 33 anos no SWU Próximo Texto: Programação/Hoje Índice | Comunicar Erros
|