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ANÁLISE
Prêmio merece celebração com ressalva
NELSON ASCHER
da Equipe de Articulistas
A premiação de Saramago merece ser comemorada no universo
lusófono - mas com ressalvas.
Comemorada, sim, pois, sendo o
primeiro Nobel literário da língua
portuguesa, mais do que inscrevê-la no mapa internacional da cultura, ele endossa um interesse e um
processo de reconhecimento que,
da publicação de vários volumes
de Clarisse Lispector pela New Directions, nos EUA, à nova tradução de "Os Lusíadas", que saiu na
coleção inglesa Oxford Classics,
vêm se desenvolvendo e confirmando há uma ou duas décadas.
Uma literatura só existe de fato
hoje em dia se puder ser lida em inglês, francês ou, pelo menos, em
espanhol. O Nobel deste ano, dizendo respeito não só ao autor premiado, como também aos seus
compatriotas nacionais ou linguísticos, significa simplesmente, em
termos pragmáticos, tanto que, em
Berkeley, Nancy, Oxford ou Salamanca, mais alunos se inscreverão
nos cursos de língua e literatura
portuguesa. Editoras como Simon
& Schuster, Viking Penguin ou
Gallimard contratarão mais leitores para vasculhar o que se tem escrito na "última flor do Lácio".
As ressalvas, no entanto, dizem
respeito tanto ao tipo de escritor
quanto ao de literatura que acabam de ser laureados. Saramago
escreve, sem dúvida, uma prosa
fluente, elegante. E esse é um de
seus maiores defeitos, pois não faltam em nosso idioma exemplos de
uma escrita assim, escrita à qual,
com elegância de uma luva, pode-se aplicar um adjetivo: acadêmica.
Ele é um escritor cheio de opiniões (duas ou três em cada frase) e
o problema disso não se encontra
apenas no tédio resultante (sobretudo para os leitores que preferem
tirar suas próprias conclusões),
mas no fato de que a maioria de
suas opiniões é ruim. Saramago é
um stalinista irredento e consagrá-lo dessa forma é obviamente diferente de celebrar um neonazista.
Mas só um pouco. Seja pelo seu estilo ou por sua visão de mundo, ele
representa, no geral e frente ao
Brasil em particular, a velha arrogância peninsular (compartilhada,
em face da América Hispânica, por
muitos espanhóis), segundo a qual
os portugueses, embora representem cerca de 5% dos falantes da
língua homônima, são seus únicos
proprietários legítimos. Assim como, politicamente, ele não defende
valores democráticos, Saramago
tampouco se vê como o usuário de
uma língua multicultural, multirracional e multinacional. Que ele
viesse desempenhando o papel de
apologeta de um pequeno país
ilhado, feito uma jangada de pedra, nos arredores da Comunidade
Européia e de uma ideologia defunta, era, se tanto, contratempo
para ele e seus admiradores. A partir de ontem, isso tornou-se questão séria a ser considerada no âmbito de toda uma língua: a nossa.
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