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CONTARDO CALLIGARIS
De novo, divórcios e crianças
Quinze dias atrás, nesta
coluna, comentei uma pesquisa que desmente algumas banalidades afirmadas apressadamente desde os anos 60.
Segundo essa pesquisa, não é
verdade que o divórcio afete as
crianças só de maneira passageira. E a felicidade ou o alívio dos
pais que se separam não parece
ser um grande consolo para os rebentos do divórcio.
A perspectiva de ver os pais
mais felizes não faz necessariamente a felicidade das crianças.
Claro, elas sofrem também quando o casamento dos pais se eterniza numa tragicomédia de brigas
ou no silêncio do ódio e da indiferença. No entanto a coluna queria salientar a leviandade de
quem pinta o divórcio em cor-de-rosa.
Recebi uma enxurrada de e-mails: comentários e depoimentos, todos corajosos e complexos.
Concordando ou não comigo, os
leitores entenderam que eu propunha que os pais freassem seus
impulsos divorcistas e pensassem
mais nas crianças. Reconheço-me
nessa sugestão, mas a questão é,
obviamente, complicada. Por isso
volto ao assunto.
A família sobreviveu às maiores
mudanças de nossa sociedade e
cultura. Parece ser a única instituição imortal -constante peça
central da reprodução social. De
fato, ela sobreviveu porque mudou, adaptou-se aos tempos.
Deixou de ser uma pequena tribo e se tornou nuclear, composta
quase exclusivamente pelos pais e
suas crianças. Também ela não se
organiza mais para administrar
bens em conjunto e assegurar a
continuidade da dinastia.
Hoje ela se funda nos sentimentos de seus membros: é nuclear e
apaixonada. Aliás, é nuclear justamente por ser fundada em um
princípio -a paixão dos cônjuges.
Às vezes, o núcleo deve incluir
os avós ou um parente que sobrou, mas é com pesar e abrindo
uma exceção. Isso, não por ingratidão ou porque a convivência
com os patriarcas ou os primos seja necessariamente chata, mas
porque a casa é um ninho de
amor e, como tal, requer uma intimidade protegida.
Aceitar conviver com outros é
ameaçador: sugere que a festa
amorosa acabou, e a obrigação
da consanguinidade passou a
prevalecer sobre as necessidades
do sentimento. Na família moderna, o amor também rege o laço entre os pais e as crianças.
Certo, achamos que os miúdos
nos devem respeito, porque tal é
sua obrigação. Mas, no fundo,
queremos que eles obedeçam por
amor. Assim como nós, de fato, os
provemos de cuidados não por
obrigação de pais (que nos pareceria um dever bem abstrato),
mas porque os amamos.
A família assim construída corresponde exatamente ao que somos: indivíduos apaixonados por
nossa liberdade e convencidos de
que a autenticidade dos sentimentos é nosso melhor guia. O resultado é uma instituição bonita,
intensa e condicional: se o amor
acaba, acaba a festa.
Podemos lamentar essa volatilidade, mas, de fato, ninguém
aguentaria mais casamentos que
não fossem justificados pelos sentimentos e pela esperança de uma
união feliz. Assim como dificilmente os pais aguentariam crianças que obedecessem só por obrigação tradicional.
Aceitemos, então, os casamentos eternos enquanto duram. Resposta à pergunta "como reconhecer o fracasso?": no mínimo, seria
bom evitar que ele fosse um efeito
da intransigência, que surge
quando a aspiração a ser feliz se
transforma numa exigência imperiosa e impossível. Tipo: "Shangri-Lá!, não aceito nada menos
que isso e quero que seja agora ou
então nada".
Como observou com toda razão
uma leitora, Maria Renata Pinto
Coelho, "é o casamento -e não o
divórcio- que nos é vendido como um conto de fadas".
A expectativa excessiva produz
intolerância. Com isso, negociar e
procurar os compromissos sempre
necessários numa vida de casal
(e, em geral, numa família) parecem constituir uma traição de
nossos sonhos de união perfeita.
Nós nos divorciamos por esperar
demais do casamento.
Ora, as modalidades da convivência ou da separação dos pais
transmitem às crianças uma espécie de lição de vida implícita.
Por exemplo, um casamento
mantido no sofrimento e na humilhação pode transmitir às
crianças uma lição (péssima) de
resignação e covardia. Outro,
também mantido ao custo de mil
compromissos, pode transmitir
uma humildade saudável, ensinando que é possível amar, mesmo quando o parceiro não corresponde plenamente às nossas fantasias.
Do mesmo jeito, um divórcio
pode ser uma lição de honestidade, significando que os pais não
quiseram arcar com uma mentira. Outro divórcio pode simplesmente sugerir às crianças que a
felicidade deve ser perseguida a
qualquer custo.
Esse é o caso pior. Pois como
convencer um adolescente de que
ele deve ir para a escola e desistir
do enésimo "baseado", se, no seu
entender, seus pais se separaram
logo para não desistir de nenhum
hipotético prazer?
A moral de buscar prazer e felicidade a qualquer custo é, notou
em seu e-mail outra leitora, Rosangela Padovan, um "sinal dos
tempos", ou seja, mais uma causa
que um efeito dos divórcios. Concordo. Mas essa não é uma razão
para que os pais validem essa máxima duvidosa nem na hora de se
separarem.
E-mail - ccalligari@uol.com.br
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