MARCELO REZENDE
DA REPORTAGEM LOCAL

O jornalista norte-americano Ron Rosenbaum passou pouco mais de uma década procurando um método onde parecia haver apenas loucura, e isso o levou a historiadores, nazistas, revisionistas, vítimas, alguns carrascos e a um universo de especulações. "Para Entender Hitler - A Busca das Origens do Mal", lançado agora no Brasil pela editora Record, é o diário dessa aventura.
Rosenbaum parte de uma constatação: Hitler não é apenas uma figura da história, mas uma usina de ansiedades para a humanidade; ao menos enquanto não for possível encontrar para o líder nazista um motivo, uma explicação.
Assim, ele debate as teorias, se encontra com especialistas -como o historiador britânico David Irving, um defensor da inexistência do Holocausto- que reafirmam suas idéias sobre a "origem do mal" em Hitler, enquanto atacam proposições de outros estudiosos do nazismo.
"Nenhuma delas, na verdade, é muito convincente, e Hitler continua um mistério", disse Rosenbaum à Folha, por telefone, de seu escritório em Nova York. Leia abaixo trechos da entrevista.

Folha - Como se deu seu encontro com as teorias sobre Hitler?
Ron Rosenbaum - Uma das primeiras coisas que descobri foi a existência de muitas teorias sobre a origem do mal em Hitler, e sobre a natureza de sua mente. Teorias que refletiam outras, ou que se contradiziam. Eram baseadas em evidências frágeis, e mais de 50 anos após a morte de Hitler não há ainda consenso sobre as questões mais básicas. Havia péssimas especulações psicanalíticas sobre ele. A culpa era do pai. A culpa era da mãe. Comecei então a examinar a razão pela qual as pessoas precisam de uma certeza sobre a origem do mal em Hitler.

Folha - Hitler pode ser explicado?
Rosenbaum - Pode ser o mal explicado como nós podemos explicar a nós mesmos ou ele é um fenômeno inteiramente novo? Seria Hitler um novo fato sobre a natureza humana? Um novo fenômeno histórico? Eu não acho impossível encontrar uma explicação para Hitler. Como diz um historiador em meu livro, não é que Hitler está além da nossa capacidade de entendê-lo, mas sim que enfrentamos a ausência de dados, de evidências, para explicá-lo. Há vários buracos em sua biografia.

Folha - Existe uma explicação para o historiador David Irving, um intelectual respeitado em seu meio que se torna um revisionista?
Rosenbaum - David Irving é realmente uma pessoa misteriosa... Ele vai e retorna, de um ponto a outro, afirmando que não houve o Holocausto, ou dizendo que, se houve, Hitler não sabia nada sobre o caso. Foi uma experiência fascinante encontrá-lo; não diria que ele é um mistério tão grande quanto Hitler, mas suas motivações são muito misteriosas.

Folha - Após tantas tentativas de explicação sobre Hitler, é possível imaginar que haverá no futuro alguém como ele?
Rosenbaum - Essa é uma questão muito intrigante, e um dos dados mais perturbadores é o fato de os livros de Hitler ainda continuarem a vender. São comprados pela extrema direita, pelas organizações neonazistas nos EUA; esses são indícios muito perturbadores de que Hitler pode estar morto, mas seu legado, não.

Folha - Como foi a experiência de ter encontrado pessoas que conheceram Hitler?
Rosenbaum - É uma situação muita bizarra. Após a publicação do livro, me encontrei, na Alemanha, com o filho de um dos primeiros conselheiros de Hitler. Ele estava com 70 anos, mas falava de Hitler brincando com ele; estava com seus brinquedos, enquanto Hitler e seu pai discutiam seus planos, nos anos 20. Isso é parte do problema com Hitler: como colocá-lo em perspectiva?

Folha - Qual é seu comentário sobre historiadores que igualam Stálin a Hitler?
Rosenbaum - Esse é um problema extremamente complexo. De início, o que significa a existência de medidas de maldade? Você cria uma medida pelo número de pessoas mortas segundo a vontade de alguém? Você mede o mal pelo grau de intencionalidade? Pela natureza racista de uma ação assassina? Penso que quando se atinge o número de assassinatos em massa, como aqueles, similaridades e diferenças passam a ser desimportantes.