São Paulo, quinta-feira, 09 de novembro de 2006 |
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O formador
Antonio Candido , que influenciou gerações de críticos, relança seu clássico "Formação da Literatura Brasileira" e defende
o rigor e a clareza do pensamento
RAFAEL CARIELLO DA REPORTAGEM LOCAL O filósofo Paulo Arantes e o crítico Roberto Schwarz estão entre os que chegam a comparar sua importância na crítica literária e no pensamento social brasileiro à de Machado de Assis na literatura. Walnice Nogueira Galvão, professora titular de literatura na USP, considera que o paralelo ainda não expressa a estatura de Antonio Candido, 88. Professor de gerações dos mais importantes críticos literários e culturais do país, Candido acompanha há dois anos a reedição de seus livros pela editora Ouro Sobre Azul, projeto coordenado por sua filha Ana Luisa Escorel. No final deste mês, chega às livrarias do país a principal obra de Candido, "Formação da Literatura Brasileira". Editado pela primeira vez em 1959, o livro procura dar conta da formação de um "sistema literário" no país, nos séculos 18 e 19, a partir da assimilação de influências estrangeiras, cada vez mais filtradas pela constituição de um conjunto mais denso de obras, de autores e de um público leitor no Brasil. Já ali aparecia a articulação sofisticada entre sociedade e literatura, marca do crítico. Por conta desta capacidade de análise, os escritos de Candido também deram contribuições decisivas à compreensão da sociedade brasileira. Na entrevista a seguir, Candido fala de alguns aspectos de seu trabalho, como a forma da relação entre condições sociais e obras literárias, e a simplicidade e clareza de sua escrita. O professor aposentado da USP respondeu às questões em oito páginas datilografadas. Ele diz que prefere não usar vocabulário técnico ou conceitos sociológicos por, "no fundo", não gostar "de termos difíceis, como os que predominaram no tempo da moda estruturalista". "Freqüentemente eles são um jeito de dar aparência profunda a coisas simples", declara. Ele afirma privilegiar a "organização interna" dos textos, e diz que o estudo da relação entre a obra e o meio social deve ser feito apenas quando "o texto assim exige". FOLHA - O sr. usa como epígrafe de seu livro "O Discurso e a Cidade" uma frase de Calvino, em que o escritor italiano diz que não se deve confundir a cidade com o discurso que a descreve, embora haja sempre uma relação entre ambos. É possível dizer que essa relação (e as formas dessa relação) entre sociedade e literatura está no centro da sua obra e é o que a move? ANTONIO CANDIDO - De uma parte do que escrevi, sim. Esta frase serve de epígrafe à primeira parte do meu livro, que trata de romances vinculados à realidade social. Ela precisa ser completada pela da segunda parte, que analisa textos marcados pela fantasia, de um ângulo não-realista, e é uma frase de Verdi: "Copiar a realidade pode ser uma boa coisa; mas inventar a realidade é melhor, é muito melhor". Um conceito completa o outro, ambos registrando os pólos da criação literária e, portanto, do trabalho analítico, o que me levou a optar pelo que denomino "crítica de vertentes", ou seja, ajustada à natureza do texto e privilegiando a sua organização interna, não os vínculos externos. Não se trata, portanto, de impor nem rejeitar em princípio o estudo da relação entre a obra e o meio social, mas de praticá-lo quando o texto assim exige. Em geral tenho sido caracterizado com base na posição que assumi no começo da minha atividade, quando era crítico deste jornal e escrevia artigos não só privilegiando a dimensão social, mas, sobretudo, muito politizados. Com o tempo acho que equilibrei melhor os meus pontos de vista, mas conservei o interesse pelos nexos sociais da literatura. Quando se trata destes, procuro não fazer análises paralelas, isto é, descrever as condições sociais e depois registrar a sua ocorrência no texto, o que pode levar, por exemplo, a encarar a criação ficcional como um tipo de documento. Isto pode ser legítimo para o sociólogo ou o historiador, não para o crítico. O que procuro é, quando for o caso, compreender como o dado social se transforma em estrutura literária. FOLHA - O modo de abordar essa
relação já estava plenamente desenvolvido pelo sr. quando escreveu
"Formação da Literatura Brasileira"
ou há diferenças e desenvolvimentos entre esse livro e os ensaios que
escreveu nos anos 60 e 70, como
aqueles sobre "O Cortiço" e "Memórias de um Sargento de Milícia"?
FOLHA - Há uma característica interessante em sua obra que é a de
não fazer uso direto e transplantado
de conceitos sociológicos, de teoria
literária ou de filosofia na análise
das obras. O raciocínio é exposto
com clareza e sem uso de recursos
"esotéricos" ou "técnicos". Isso foi
uma decisão consciente desde o início do seu trabalho? O que o levou a
fazer essa escolha?
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