São Paulo, sexta-feira, 09 de novembro de 2007

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Mojica anuncia aposentadoria

Cineasta festejou 50 anos de carreira com sem-teto; ciclo que começa amanhã apresenta 25 cópias novas e terror inédito

Criador do célebre personagem ganha mostra retrospectiva em São Paulo e garante que pára de filmar "por obrigação" em 2008

Marlene Bergamo/Folha Imagem
À paisana no Minhocão, José Mojica Marins grava vinheta com sem-teto para sua retrospectiva


IVAN FINOTTI
EDITOR DO FOLHATEEN

Champanhe em copos de plástico? Minicoxinhas em bandejas de papelão prateado? Bolo floresta negra com 50 velinhas? Nada disso. Para comemorar seus 50 anos de carreira profissional, anteontem, José Mojica Marins preferiu uma festa com os sem-teto que vivem debaixo do Minhocão, no centro de São Paulo.
Festa sem uísque nem guaraná, com um único marmitex de arroz, feijão e frango, disputado literalmente a tapa por duas atrizes fantasiadas de indigentes. Num canto, um trio deitado na calçada se bolinava; num outro, duas mulheres cobertas de sujeira se beijavam na boca.
Tudo parte do curta-metragem de um minuto, gravado numa única seqüência, que vai servir de vinheta para a mostra "José Mojica Marins - Retrospectiva da Obra", que começa para convidados hoje, às 20h30, na Cinemateca, e amanhã no CCBB, às 18h30, para o público, com presença do cineasta. "O recado é: somos todos iguais, estando lá em cima [aponta para o elevado, onde os carros passam] ou aqui embaixo [aponta para os sem-teto]", diz José Mojica Marins, 71, entre um gole de caipiroska coada e uma tragada de cigarro long size com filtro.
A mostra, capitaneada pela Heco Produções, é abrangente. São 40 filmes, sendo apenas seis longas com o personagem Zé do Caixão. Há documentários, fitas de outros diretores (Reichenbach, Sganzerla, Capovilla etc.) com atuação de Mojica, curtas, médias e, a cereja do floresta negra, um inédito. Trata-se de "A Praga", filmado em Super-8 em 1980 e finalizado agora pelo cineasta Eugênio Puppo, da Heco.
Com patrocínio do Banco do Brasil e da Cinemateca Brasileira e apoio da Labocine e da Kodak, Puppo conseguiu fazer nada menos que 25 cópias novas em folha para a retrospectiva. Não por preciosismo. "Tivemos que recuperar dezenas de filmes. O negativo de "O Despertar da Besta", por exemplo, está esfarelando e agora será restaurado. Mas, para além do Zé do Caixão, sempre tive a vontade de exibir os faroestes, as comédias eróticas e até os filmes de sexo explícito de Mojica. É importante que ele não seja visto apenas como o personagem de cartola."
Mojica, cujo primeiro filme profissional (o faroeste "A Sina do Aventureiro") foi realizado em 1957, dará palestras e ganhou uma exposição de fotos com mais de 70 imagens.
Também estarão nos corredores da Cinemateca ampliações de suas 16 expressões faciais, como "alegria", "dor" e "tristeza", que usava para ensinar seus alunos de interpretação. O estudante via a expressão e tentava copiar. Assim, ganhava vaga em filmes como o movimentado "Sexo e Sangue na Trilha do Tesouro" ou a comédia erótica "Como Consolar Viúvas", presentes na mostra.

A sério mesmo
E há o livro. Como em todas as mostras da Heco Produções (Candeias, Leila Diniz, Walter Hugo Khouri etc.), Eugênio Puppo produziu um livro que não apenas serve ao evento como se torna referência obrigatória. Com 178 páginas e dezenas de fotos inéditas, "José Mojica Marins - 50 Anos de Carreira" foge das histórias da vida peculiar do mestre do terror e se concentra em sua obra. Textos de críticos, jornalistas, pesquisadores e cineastas repensam a trajetória de Mojica filme após filme.
O volume será vendido no CCBB por R$ 30, mas tem todo o seu conteúdo livre no site www.heco.com.br. Traz ainda uma longa entrevista, fruto de sete encontros de Mojica com Puppo e com Arthur Autran, professor de cinema da UFSCar. Ali, o cineasta resume sua trajetória, desde a infância até as filmagens, no ano passado, do longa "A Encarnação do Demônio" -que terá lançamento em 2008, fechando a saga do personagem Zé do Caixão, iniciada em 1964.
O lançamento desse filme, seguido pelo lançamento comercial de "A Praga", podem ser os dois últimos movimentos profissionais de Mojica Marins. "Vou me aposentar no ano que vem", afirma ele. Mas será possível? Mojica cresceu dentro de um cinema na Lapa, rodou seus primeiros curtas com 13 anos, fazia longas com o dinheiro da bilheteria do anterior, nunca fez nada além disso. "Mas é verdade! Cinema, a partir de agora, não faço mais por obrigação. Só por hobby."


Leia mais trechos de análises sobre a obra de Mojica

Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: Cineasta terá talk-show na TV paga
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.