São Paulo, segunda-feira, 09 de novembro de 2009

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Letra morta

Normas menos rígidas e regulação estatal devem servir de base à nova lei do direito autoral; pelas regras válidas atualmente, incontáveis usuários da internet estão na ilegalidade

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Começam a vir à tona, hoje, os principais pontos da reforma do direito autoral planejada pelo governo brasileiro. A Folha teve acesso às diretrizes do anteprojeto de lei preparado pelo Ministério da Cultura (MinC) em parceria com acadêmicos e juristas. Antes mesmo de tornar-se público, o texto já causa divergências.
A iniciativa inclui-se num movimento mundial de revisão de leis que, simplesmente, não servem mais. Baseadas na Convenção de Berna, de 1886, as leis de direito autoral regem um mundo que deixou de existir. "Elas têm origem no século 19. Uma coisa é falar de partitura, outra é falar de sampler, que é mais do que uma cópia, é a recriação de uma obra", exemplifica o professor Marcos Wachowicz, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), organizadora do 3º Congresso de Direito de Autor e Interesse Público, que acontece hoje e amanhã, na Fecomercio, em São Paulo.
No encontro, especialistas vão debruçar-se sobre o texto alinhavado pelo MinC a partir de um diagnóstico do setor cultural. Com isso, será dada a largada oficial para a revisão da lei em vigor, aprovada em 1998, como atualização de uma lei criada em 1973. O texto atual trata como ilegais atitudes corriqueiras, como a cópia de um CD para um pen drive. "Temos toda uma população na ilegalidade", resume Wachowicz.
"Mudou a necessidade do consumidor e também a do autor", diz Alfredo Manevy, secretário-executivo do MinC, para quem os criadores, não raro, são submetidos a "contratos leoninos". "Há um desequilíbrio de forças entre autores e investidores", diz, referindo-se a gravadoras, editoras etc. "Queremos fortalecer e garantir direitos hoje diluídos."
Mas não é necessariamente assim que os autores pensam. "A iniciativa do MinC está divorciada das discussões mundiais", diz José Carlos Aguiar, presidente da Associação Brasileira do Direito de Autor (ABDA). "As entidades de autores não foram consultadas e a tônica é a da fragilização do direito autoral", aposta. Também contra o projeto posiciona-se, de antemão, a Associação Brasileira de Música e Artes (Abramus). "Parece que virá como um pacote de cima para baixo", diz Juca Novaes, a despeito da informação do MinC de que se trata de uma primeira proposta, a ser submetida a um longo processo de discussão. "Está clara a intenção de estatização do direito autoral", completa.
No texto há, de fato, menção ao Instituto Brasileiro de Direito Autoral, que o MinC não esclarece muito bem o que seria. José Luiz Herência, secretário de políticas culturais, diz apenas ser importante maior presença do poder público no setor. Não se sabe, porém, o quanto o instituto teria o poder de interferir no Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), encarregado de arrecadar o pagamento de direitos autorais. O Ecad distribuiu, em 2008, cerca de R$ 270 milhões para mais de 73 mil músicos. Herência limita-se a dizer que "o Ecad precisa aprimorar seus mecanismos de transparência".
O que está em jogo é também a relação entre interesses diversos. "O direito de autor foi criado para regular interesses privados. Com a internet, o papel do interesse público se ampliou", diz o professor Manoel Pereira dos Santos, da FGV. "Temos mais gente produzindo, disponibilizando e tendo acesso. Isso muda o equilíbrio de poderes e, por isso, no mundo, estão mudando as leis."

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