São Paulo, sábado, 09 de dezembro de 2000

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LIVROS/LANÇAMENTOS

Vencedor este ano do Prêmio Jabuti com "À Sombra do Cipreste" lança "Que Enchente me Carrega"

Braff questiona tecnologia em romance

LUÍS EBLAK
EDITOR DA FOLHA RIBEIRÃO

O homem diante de suas limitações. Essa é a história de "Que Enchente me Carrega?", de Menalton Braff, escritor gaúcho que mora em Serrana (região de Ribeirão Preto) e foi um dos ganhadores do Prêmio Jabuti 2000.
O romance, que chegou às livrarias esta semana, narra o processo de decadência social e mental do sapateiro Firmino. Ele se dá conta de que seus produtos artesanais definitivamente perderam espaço para os calçados fabricados pelas indústrias, de que a única coisa que sabia fazer foi ultrapassada pelo tempo, pela tecnologia.
No romance, destaca-se uma técnica de narrativa: as sete últimas páginas não têm pontuação. "É uma forma de mostrar que Firmino perdeu a razão."
A técnica ficou conhecida na literatura mundial no trecho final de "Ulisses", do escritor irlandês James Joyce (1882-1941).
"Que Enchente me Carrega?" nasceu de um pôr-do-sol em Laranjeiras do Sul, interior do Paraná. Lá, em visita a familiares, Braff avistou uma casa ameaçada de cair num barranco. "Será que quem mora naquele lugar dorme tranquilo e não tem medo de ver sua casa desabar? Uma chuva, uma enchente derrubaria a construção. Foi o que me perguntei."
Como na imagem vista no Paraná, o personagem principal de "Que Enchente" vive próximo a um barranco. Ironicamente, a chegada de uma indústria de calçados faz com que a prefeitura local construa uma avenida na área. É essa via que compromete as estruturas da residência de Firmino.
No início do enredo, Firmino é razoavelmente sóbrio. Assim, o texto de "Que Enchente me Carrega?" é pontuado, com frases curtas e objetivas. No decorrer da história, o personagem vai perdendo a razão. "É o real estado de degradação social que se tornou degradação mental. Assim, seu discurso perde a pontuação."
"Que Enchente" foi escrito por Braff entre 90 e 92. "Mas não mudei quase nada. Só uma palavrinha aqui, outra acolá". À época, uma região vizinha, a de Franca, começava a sentir a crise de um setor ligado ao personagem Firmino: o calçadista, que já perdia postos de trabalho.
Mas a criação de Firmino não tem nada a ver com isso. "É só a história do artesão que perde para a indústria. Antigamente, você tinha o seu médico; hoje, tem plano de saúde. Antes, um alfaiate fazia seu terno; hoje, compra um no shopping. Não tem volta."
No livro, Firmino discute o que vem a ser arte. Para ele, o sapato produzido por suas mãos é um objeto de arte. "Quem sabe o que é útil e o que é inútil? Se o guarda do museu usasse a Mona Lisa para tapar o buraco de um vidro quebrado ou se um médico usa uma sinfonia de Mozart na terapia de seus pacientes, a tela e a música deixam de ser arte?"
Vale o questionamento também para a função do escritor na sociedade atual. Quem é hoje o sujeito que escreve romances, contos, poemas? "A literatura vai ter de mudar. O romance, por exemplo, tende a um encontro com a poesia. Como Clarice Lispector (1920-77) já previa: diminuição do enredo, com mais elementos de linguagem", responde Braff.


Livro: Que Enchente me Carrega?
Autor: Menalton Braff
Editora: Palavra Mágica (tel. 0/xx/16/ 610-0204)
Quanto: R$ 28 (144 págs.)




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