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O intelectual, de Zola a Brecht
da Reportagem Local
Há 100 anos a palavra não existia. Acreditam então os
franceses que, ainda mesmo se pudesse ser encontrada no
dicionário Larousse antes de 1898, era mais um adjetivo
(depreciativo) que um substantivo.
É o romancista Émile Zola que muda o rumo do conceito e, com suas ações, acompanhado por outros, forma o
grupo -ou a matilha, na visão de seus opositores- composto por escritores, pintores e atores que se tomam como
representantes da Justiça no mundo. Nasce, com Zola e o
caso Dreyfus, o "intelectual", o ser combativo que acredita em causas.
A partir do caso (a defesa de um oficial acusado de traição) a história prossegue, e o grupo se divide. Já não há
mais uma motivação comum, nem apenas a França, pois,
com os anos, a própria causa se torna uma pátria.
O dramaturgo alemão Bertolt Brecht -figura exemplar
desse intelectual no século 20- nasce no ano em que Zola
lança seu "J'Accuse" e seguirá um rumo traçado no momento. Falará em público, montará peças e escreverá canções em nome de suas crenças sem deixar de ser o que
sempre foi desde o início: o artista. Comemora-se, portanto, o centenário de uma idéia lançada e de um dos mais
radicais homens que a alcançaram.
MARIANE COMPARATO
de Paris
Há exatos cem anos, dava-se o
julgamento que motivou o texto
que mudaria a história da imprensa e a de um dos maiores erros judiciais de que se tem notícia.
A absolvição do capitão Ferdinand Esterhazy, em julgamento
que aconteceu nos dias 10 e 11 de
janeiro de 1898, levou o escritor
Émile Zola a publicar no jornal
"L'Aurore" o "J'Accuse...!" (Eu
Acuso), defesa apaixonada de outro capitão, o judeu Richard Dreyfus, condenado pelos crimes de
Esterhazy, que entregara segredos
militares da França à Alemanha.
Aos 58 anos, Zola pôs em risco
sua reputação de grande escritor,
foi condenado a um ano de prisão
e teve de se refugiar na Inglaterra
para não
cumprir a
pena. Sua
opção
"pela verdade e pela
justiça"
empolgou
o mundo.
O professor da
Universidade Columbia (NY),
Henri Mitterand,
também
professor
emérito da
Universidade de Paris
8 (Sorbonne), é autor dos livros "Zola - La Vérité en Marche"
(Zola - a Verdade em Andamento)
e "Zola Journaliste" (Zola Jornalista), entre outros.
Ele falou à Folha sobre a importância do gesto de Zola. Leia a seguir trechos da entrevista de Mitterand, que preside a Sociedade Literária dos Amigos de Émile Zola.
Folha - Pode-se medir o alcance
do manifesto "J'Accuse"?
Henri Mitterand - Foi considerável por várias razões. Primeiro,
porque Zola era o escritor mais conhecido da época. Além disso, o
estilo, o título, a publicação na capa do jornal, o tipo de ataque escolhido pelo autor foram singulares.
Ele dirigiu a carta diretamente ao
presidente da República da época
(Félix Faure) e citou os nomes de
todas as pessoas envolvidas no caso, inclusive alguns generais.
Era uma provocação nunca vista
antes. Zola trancou o governo
num dilema: não processar criminalmente e parecer dar razão a ele
ou processar e desencadear uma
crise na opinião pública. Foi o que
aconteceu: a República foi ameaçada. Isso provocou a revisão do
processo de Dreyfus, e nada teria
acontecido se Zola não se tivesse
oferecido à ação penal pública.
Folha - Por que Dreyfus?
Mitterand - Não se sabe ao certo. Ele era oficial do Estado-Maior,
era o único judeu, invejado por ser
um politécnico. Tinha família na
Alsácia, que na época pertencia à
Alemanha. Foi providencial.
Folha - "A Besta Humana", que
Zola escreveu
anos antes, tem
muitas semelhanças com o
caso.
Mitterand -
É verdade, é a
história de um
crime, de uma
investigação e
da condenação
de um inocente
no lugar do verdadeiro culpado. Quando
Zola começou a
se interessar
pelo caso Dreyfus, ele reagiu
como um romancista.
Folha - Zola
então se lançou
na história pela
Justiça?
Mitterand - Zola tinha um lado
quase anarquista, era uma pessoa
que desconfiava, por princípio, do
poder. Não foi por ambição nem
gosto pelo dinheiro, porque ele
perdeu tudo nesse caso. Perdeu
um ano da sua vida familiar, nos
anos que se seguiram foi ameaçado, injuriado e perdeu dinheiro,
porque as vendas caíram.
Folha - Zola é único?
Mitterand - Zola é o único que
mudou a história. Nem mesmo
Voltaire, que defendeu perseguidos, conseguiu salvar vidas. Victor
Hugo escreveu "Castigos" contra
Napoleão Bonaparte 3º, mas o Segundo Império ficou no lugar. Sartre fez barulho, mas não conseguiu
desencadear uma revolução.
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