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INÉDITO
Todos os maus filmes já foram feitos
ROGÉRIO SGANZERLA
ESPECIAL PARA A FOLHA
Só o cinema pode ser uma janela
enriquecedora sob o mundo, sobretudo se tiver uma função científica, criativa e útil sem ser puramente didática. Todos os maus
filmes já foram feitos (faltam os
inacabados) e não existe história
que já não tenha sido contada sobre a questão cultural.
Um grande artista é convidado
pelo presidente e agora mesmo o
que acontece? Comparece imediatamente a birra de certa burocracia acadêmica que diminui a
questão (aparentemente insolúvel entre nós; sem continuidade)
que vai do lírico ao cômico, do didático ao satírico, atingindo parâmetros pessoais, claro.
Quanto aos artistas, sofrem todo tipo de dificuldades. Apenas
uma minoria deita e rola; e sobre
aqueles recai sempre a exigência
burocrática e a intermediação,
acabando por constituir o apoio
oficial em disfunção. Ao contrário
dos que se sentem melindrados
por aquele abraço.
Espero de Gil uma planificação
efetiva da questão criativa feita
por olhos e ouvidos livres, assegurando ao cinema a garantia de sua
verdadeira natureza musical; cinema é ciência, técnica: ritmo e
movimento, gesto e continuidade. No caso, a tela diz tudo-cinema, pois é um ofício quase artesanal que permite realizar tudo.
Mesmo o que parece impossível: projetos à altura da nossa realidade social, realizando verdadeiras comédias sobre a fome, sem
dever nada a ninguém e conferindo aparência aos mais quiméricos
sonhos. Para tanto, planeja a produção... Não só melodrama e novelão. Isso não sou eu quem diz,
mas George Méliès, há um século,
quando faziam tudo com nada,
usando imaginação a serviço da
criatividade.
E hoje? Todos os maus filmes já
foram feitos. Há enorme desperdício e déficit cultural no modus
operandi de certas comissões, por
exemplo, que não valorizam projetos, mas legislam em causa própria.
Ao contrário dos modelos da
moda, é preciso valorizar a figura
do realizador independente sobretudo do diretor capazes de auferir divisas culturais e econômicas. Poucos saberão oxigenar a
geléia irreal tão bem como Gil
com a eficiência de seu canto. Tarefa espinhosa, mas necessária:
voltar às raízes sem provincianismos, máfias e exclusões. Necessário reeducar nossas panelas globais (nosso cinema é quase uma
ode ao esquecimento, é preciso
mudar muito) todos seremos testemunhas.
Texto de Rogério Sganzerla para a Folha, escrito em 2002, após a indicação de
Gilberto Gil ao Ministério da Cultura
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