São Paulo, quinta-feira, 10 de fevereiro de 2005

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ARTES

Em sua primeira exposição individual, Manoel Paes Neto, policial há dez anos, apresenta trabalhos em grande escala

Investigador de polícia mostra 22 telas do submundo

ISABELLE MOREIRA LIMA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um trem ocupado por figuras do submundo de São Paulo segue, em forma de arte, para uma galeria no centro da cidade. O "motor" da viagem convive com os personagens diariamente como agente e espectador. Investigador de polícia há dez anos, Manoel Paes Neto, 31, inaugura amanhã mostra que reúne 22 pinturas em grande escala das figuras que encontrou em seu cotidiano de policial na última década.
Durante os últimos quatro anos, Paes registrou, com uma máquina fotográfica digital, as imagens dos personagens que mais o marcaram, encontrados na delegacia onde trabalha ou nas ruas por onde passa. Atrás de cada fotografia, faz pequenas fichas com informações sobre cada um.
"Travesti, sofreu um acidente automobilístico, anda de muletas. Ex-Miss Brasil Gay, vive de uma pequena aposentadoria do INSS. É revendedora de produtos de beleza e não possui antecedentes criminais", escreveu sobre Leilah Rios, personagem mais marcante que encontrou e transformada em rainha em uma das telas.
As fotografias fazem parte da pesquisa. A partir delas, das fichas escritas com as características e com a história de cada personagem e da experiência de vida de Paes, as telas surgem em cerca de oito horas de trabalho com acrílico, óleo, spray e carvão.
"Foi assim com Edson Silva, um homem muito magro que chegou na delegacia acusado de roubar alumínio na estação Barra Funda", explica o curador da mostra no Centro Cultural da Caixa, Diógenes Moura, que também é curador de fotografia da Pinacoteca do Estado, em texto sobre a exposição de investigador.
Paes não sabe explicar a razão dessas figuras lhe chamarem a atenção. "Magnetismo, talvez. O olhar, a história deles", diz, sem muita certeza. Mas afirma que não procura "pop stars do crime". "Interessam-me os mais tristes, mais miseráveis."
Nas telas, junta as histórias individuais e sua experiência das ruas a um terceiro elemento: o candomblé. Filho de Ogum, costuma usar cores, figuras ou palavras que estejam ligadas à religião. O resultado são trabalhos com imagens que impressionam à primeira vista.
"Há uma situação religiosa, um silêncio ancestral acima da compreensão de um simples olhar. Mas também tem uma ousadia, não tem medo. Não é uma arte limpinha, feita para vender. Manoel não tem medo de pôr os diabos na tela", avalia Diógenes.
A poluição, as cores, formas e o submundo do trabalho de Diógenes, por vezes, lembra o artista norte-americano de origem haitiana Jean-Michel Basquiat (1960-1988). Paes reconhece a influência e diz que se identifica ainda com a biografia da artista mexicana Frida Kahlo (1907-1954).
Há cerca de um ano sofreu um acidente de carro grave que lhe deixou em uma cadeira de rodas por meses. "Tive as pernas costuradas, fiquei três meses com ferros em todos os lugares", diz, enquanto senta próximo à pintura que traz a frase "para que asas, se tenho pés".
Depois do acidente, Paes tirou uma licença de 11 meses do trabalho de policial -dos quais ainda restam dois. Já esteve seis vezes "muito perto da morte", como ele mesmo diz, e assume que tem medo de morrer. O medo, no entanto, não é visivelmente transposto para as telas. Paes nega a força do trabalho e diz que "fortes são os personagens". Para quem se impressiona com as imagens e dizeres de sua obra (frases como "Sou ponta de agulha" e palavras como "vômito"), o investigador direciona: "As pessoas não abrem as portas para a verdade".


TREM PARA O CENTRO - MANOEL PAES NETO. Onde: Conjunto Cultural da Caixa (praça da Sé, 111, Centro, tel. 0/ xx/11/ 3107-0498). Quando: amanhã, às 19h30 (abertura); de ter. a dom., das 9h às 21h; até 6/3. Quanto: entrada franca.

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