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ARTES
Em sua primeira exposição individual, Manoel Paes Neto, policial há dez anos, apresenta trabalhos em grande escala
Investigador de polícia mostra 22 telas do submundo
ISABELLE MOREIRA LIMA
DA REPORTAGEM LOCAL
Um trem ocupado por figuras
do submundo de São Paulo segue,
em forma de arte, para uma galeria no centro da cidade. O "motor" da viagem convive com os
personagens diariamente como
agente e espectador. Investigador
de polícia há dez anos, Manoel
Paes Neto, 31, inaugura amanhã
mostra que reúne 22 pinturas em
grande escala das figuras que encontrou em seu cotidiano de policial na última década.
Durante os últimos quatro
anos, Paes registrou, com uma
máquina fotográfica digital, as
imagens dos personagens que
mais o marcaram, encontrados
na delegacia onde trabalha ou nas
ruas por onde passa. Atrás de cada fotografia, faz pequenas fichas
com informações sobre cada um.
"Travesti, sofreu um acidente
automobilístico, anda de muletas.
Ex-Miss Brasil Gay, vive de uma
pequena aposentadoria do INSS.
É revendedora de produtos de beleza e não possui antecedentes criminais", escreveu sobre Leilah
Rios, personagem mais marcante
que encontrou e transformada
em rainha em uma das telas.
As fotografias fazem parte da
pesquisa. A partir delas, das fichas
escritas com as características e
com a história de cada personagem e da experiência de vida de
Paes, as telas surgem em cerca de
oito horas de trabalho com acrílico, óleo, spray e carvão.
"Foi assim com Edson Silva, um
homem muito magro que chegou
na delegacia acusado de roubar
alumínio na estação Barra Funda", explica o curador da mostra
no Centro Cultural da Caixa, Diógenes Moura, que também é curador de fotografia da Pinacoteca
do Estado, em texto sobre a exposição de investigador.
Paes não sabe explicar a razão
dessas figuras lhe chamarem a
atenção. "Magnetismo, talvez. O
olhar, a história deles", diz, sem
muita certeza. Mas afirma que
não procura "pop stars do crime".
"Interessam-me os mais tristes,
mais miseráveis."
Nas telas, junta as histórias individuais e sua experiência das ruas
a um terceiro elemento: o candomblé. Filho de Ogum, costuma
usar cores, figuras ou palavras
que estejam ligadas à religião. O
resultado são trabalhos com imagens que impressionam à primeira vista.
"Há uma situação religiosa, um
silêncio ancestral acima da compreensão de um simples olhar.
Mas também tem uma ousadia,
não tem medo. Não é uma arte
limpinha, feita para vender. Manoel não tem medo de pôr os diabos na tela", avalia Diógenes.
A poluição, as cores, formas e o
submundo do trabalho de Diógenes, por vezes, lembra o artista
norte-americano de origem haitiana Jean-Michel Basquiat (1960-1988). Paes reconhece a influência
e diz que se identifica ainda com a
biografia da artista mexicana Frida Kahlo (1907-1954).
Há cerca de um ano sofreu um
acidente de carro grave que lhe
deixou em uma cadeira de rodas
por meses. "Tive as pernas costuradas, fiquei três meses com ferros em todos os lugares", diz, enquanto senta próximo à pintura
que traz a frase "para que asas, se
tenho pés".
Depois do acidente, Paes tirou
uma licença de 11 meses do trabalho de policial -dos quais ainda
restam dois. Já esteve seis vezes
"muito perto da morte", como ele
mesmo diz, e assume que tem
medo de morrer. O medo, no entanto, não é visivelmente transposto para as telas. Paes nega a
força do trabalho e diz que "fortes
são os personagens". Para quem
se impressiona com as imagens e
dizeres de sua obra (frases como
"Sou ponta de agulha" e palavras
como "vômito"), o investigador
direciona: "As pessoas não abrem
as portas para a verdade".
TREM PARA O CENTRO - MANOEL
PAES NETO. Onde: Conjunto Cultural da
Caixa (praça da Sé, 111, Centro, tel. 0/
xx/11/ 3107-0498). Quando: amanhã, às
19h30 (abertura); de ter. a dom., das 9h
às 21h; até 6/3. Quanto: entrada franca.
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