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Memória
Diretor Ozualdo Candeias inaugurou, a contragosto, o cinema marginal
JOSÉ GERALDO COUTO
COLUNISTA DA FOLHA
"Marginal entre marginais",
segundo a feliz definição do crítico Jairo Ferreira, Ozualdo
Candeias, que morreu anteontem aos 88 anos, foi, ao lado de
José Mojica Marins, um dos raros cineastas brasileiros oriundos das camadas populares.
Antes de realizar filmes marcantes como "A Margem"
(1967), "A Herança" (1971) e
"Manelão, o Caçador de Orelhas" (1983), Candeias, nascido
em Cajubi (SP), trabalhou na
roça, foi militar, motorista de
caminhão e taxista.
Em seu cinema radical e sem
concessões, experiências estéticas de vanguarda e elementos
da chamada "alta cultura" passam pelo crivo dessa dura vivência popular.
Trabalhando em condições
materiais precárias, Candeias
teve sua obra truncada e cerceada pela censura política, na
época do regime militar, e depois pela falta de interesse dos
produtores e investidores.
Seu último longa, "O Vigilante" (1992), que enfocava a história de um justiceiro de periferia, nem chegou a ser lançado
comercialmente. Sua carreira
como diretor começou de modo explosivo, com "A Margem",
tragédia de dois homens e duas
mulheres que sobrevivem nas
franjas mais miseráveis da sociedade paulistana.
À margem do mercado
Malgrado o próprio autor, o
filme acabou sendo visto como
marco inicial do "cinema marginal". O longa ganhou vários
prêmios e a crítica viu no bote
que transporta os personagens
referências ao barco de Caronte, no "Inferno" de Dante. Anos
depois, Candeias rebateu: "Isso
é ignorância. Não sabem que
antigamente, quando não havia
tantas pontes nem as marginais
do Tietê, pequenos barcos
transportavam pessoas e cargas de uma margem à outra".
Quatro anos depois, o cineasta faria, em "A Herança", uma
versão personalíssima de
"Hamlet", sem diálogos e com
David Cardoso como protagonista. Radicalizando sua produção nos anos 70, Candeias teve
problemas com a censura e foi
cada vez mais relegado à margem. "Caçada Sangrenta"
(1973) foi mutilado pela censura e pelo produtor (David Cardoso). Realizou em seguida
dois médias-metragens que ele
próprio qualificou de "subterrâneos": "Zézero" e "Candinho". Era o "underground",
versão Boca do Lixo paulistana.
A Boca do Lixo, aliás, sempre
foi o elemento de Candeias, que
ali realizou seus filmes e trabalhou em obras alheias como roteirista, operador de câmera,
fotógrafo e montador.
Empenhado em documentar
aquela região decadente, com
seu pólo produtor de cinema e
sua população marginalizada,
Candeias fotografou a Boca e
realizou, nos anos 80, duas exposições sobre o assunto, além
de dirigir o curta documental
"Festa na Boca". A Boca do Lixo
está de luto. Raras vezes um artista esteve tão entranhadamente ligado à sua aldeia.
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