São Paulo, sábado, 10 de fevereiro de 2007

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Livros - Crítica/história

Historietas e curiosidades de São Paulo são destaque de livro

MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA

O primeiro sutiã a gente não esquece. Nem a primeira viagem a São Paulo. No meu caso, foi uma jornada inesquecível, e por vários motivos. Tratava-se de uma excursão de colégio, e, como não tínhamos dinheiro para passagem de avião ou mesmo de ônibus, fomos de trem: três dias e quatro noites (esse trem era tão vagaroso que, nas subidas, descíamos e íamos acompanhando-o a pé).
Chegamos, fomos acomodados numa escola da capital paulistana e, no dia seguinte, saímos para explorar a cidade que era parte de nossos sonhos gaúchos. Quando nos encontramos, mais tarde, um garoto veio com uma novidade sensacional: ele tinha descoberto, num prédio próximo, uma escada que andava! Sim, andava! Ao invés de a gente subir, era a escada que nos levava.
Corremos para lá e, nos dias que se seguiram, ficamos o tempo todo andando de escada rolante, coisa que ainda não existia em Porto Alegre.
Afora isto, não aprendi muito sobre São Paulo. À época, não havia uma obra do tipo "Todos os Centros da Paulicéia", de Levino Ponciano, uma útil, acessível e agradável apresentação histórica da capital paulista, abundantemente ilustrada e didaticamente dividida em capítulos curtos, fáceis de ler.
Não se trata de um texto que prime pela erudição, ainda que não lhe falte pesquisa bibliográfica; mas a informação é convenientemente alternada com historietas que mantêm o interesse do leitor e revelam aspectos pouco conhecidos da história paulistana e do Brasil.

Formigas
Descobrimos, assim, que os primeiros colonizadores de São Paulo adoravam comer formiga assada, hábito adquirido dos indígenas e que tinha a aprovação do padre José de Anchieta, para quem se tratava de um prato "deleitável" e "saudável".
Já ter relações com as índias escravizadas gerava multa de 50 réis, o que deve ter se constituído em uma apreciável fonte de receita para o erário colonial. As pobres índias pagaram o preço da servidão, mas as formigas foram vingadas por uma onça-pintada que sistematicamente atacava os viajantes que, por volta de 1655, subiam e desciam a serra do Mar. Um pouco antes, em 1638, surgira na região o primeiro médico, o doutor Paulo Rodrigues Brandão, autor de um atestado no mínimo confuso: "Certifico que eu curei a Pedro, filho de João de Souza, já defunto". Quem já estava defunto, Pedro ou o pai? O remédio que o médico lhe deu foi mercúrio, à época muito usado para o tratamento da sífilis, o que, de novo, mostra que o recato sexual não era a regra.
O número de nascimentos, legítimos e ilegítimos, era grande, e, em 1825, era instalada a primeira roda dos expostos, um dispositivo giratório instalado na porta de instituições como a Santa Casa e onde as mães podiam, na calada da noite, deixar os bebês não desejados.
O relato chega a nossos dias, falando de lugares conhecidos em todo o país, como o viaduto Santa Ifigênia, o edifício Copan, o Minhocão, o Masp (mas, particularmente, não encontrei referências à primeira escada rolante). "Todos os Centros da Paulicéia" não é obra para historiadores ou estudiosos; mas para aqueles que, como o garoto que veio de Porto Alegre, anseiam em conhecer esta cidade, vale a pena.


TODOS OS CENTROS DA PAULICÉIA    
Autor: Levino Ponciano
Editora: Senac São Paulo
Quanto: R$ 45 (152 págs.)

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