|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Livros - Crítica/história
Historietas e curiosidades de São Paulo são destaque de livro
MOACYR SCLIAR
COLUNISTA DA FOLHA
O primeiro sutiã a gente
não esquece. Nem a
primeira viagem a São
Paulo. No meu caso, foi uma
jornada inesquecível, e por vários motivos. Tratava-se de
uma excursão de colégio, e, como não tínhamos dinheiro para
passagem de avião ou mesmo
de ônibus, fomos de trem: três
dias e quatro noites (esse trem
era tão vagaroso que, nas subidas, descíamos e íamos acompanhando-o a pé).
Chegamos, fomos acomodados numa escola da capital paulistana e, no dia seguinte, saímos para explorar a cidade que
era parte de nossos sonhos gaúchos. Quando nos encontramos, mais tarde, um garoto veio
com uma novidade sensacional: ele tinha descoberto, num
prédio próximo, uma escada
que andava! Sim, andava! Ao invés de a gente subir, era a escada que nos levava.
Corremos para lá e, nos dias
que se seguiram, ficamos o
tempo todo andando de escada
rolante, coisa que ainda não
existia em Porto Alegre.
Afora isto, não aprendi muito
sobre São Paulo. À época, não
havia uma obra do tipo "Todos
os Centros da Paulicéia", de Levino Ponciano, uma útil, acessível e agradável apresentação
histórica da capital paulista,
abundantemente ilustrada e
didaticamente dividida em capítulos curtos, fáceis de ler.
Não se trata de um texto que
prime pela erudição, ainda que
não lhe falte pesquisa bibliográfica; mas a informação é
convenientemente alternada
com historietas que mantêm o
interesse do leitor e revelam
aspectos pouco conhecidos da
história paulistana e do Brasil.
Formigas
Descobrimos, assim, que os
primeiros colonizadores de São
Paulo adoravam comer formiga
assada, hábito adquirido dos indígenas e que tinha a aprovação
do padre José de Anchieta, para
quem se tratava de um prato
"deleitável" e "saudável".
Já ter relações com as índias
escravizadas gerava multa de
50 réis, o que deve ter se constituído em uma apreciável fonte
de receita para o erário colonial. As pobres índias pagaram
o preço da servidão, mas as formigas foram vingadas por uma
onça-pintada que sistematicamente atacava os viajantes que,
por volta de 1655, subiam e desciam a serra do Mar.
Um pouco antes, em 1638,
surgira na região o primeiro
médico, o doutor Paulo Rodrigues Brandão, autor de um
atestado no mínimo confuso:
"Certifico que eu curei a Pedro,
filho de João de Souza, já defunto". Quem já estava defunto,
Pedro ou o pai? O remédio que
o médico lhe deu foi mercúrio,
à época muito usado para o tratamento da sífilis, o que, de novo, mostra que o recato sexual
não era a regra.
O número de nascimentos,
legítimos e ilegítimos, era grande, e, em 1825, era instalada a
primeira roda dos expostos, um
dispositivo giratório instalado
na porta de instituições como a
Santa Casa e onde as mães podiam, na calada da noite, deixar
os bebês não desejados.
O relato chega a nossos dias,
falando de lugares conhecidos
em todo o país, como o viaduto
Santa Ifigênia, o edifício Copan, o Minhocão, o Masp (mas,
particularmente, não encontrei referências à primeira escada rolante).
"Todos os Centros da Paulicéia" não é obra para historiadores ou estudiosos; mas para
aqueles que, como o garoto que
veio de Porto Alegre, anseiam
em conhecer esta cidade, vale a
pena.
TODOS OS CENTROS DA PAULICÉIA
Autor: Levino Ponciano
Editora: Senac São Paulo
Quanto: R$ 45 (152 págs.)
Leia trecho
Texto Anterior: Vitrine Próximo Texto: Auster aprisiona culpa entre paredes Índice
|