São Paulo, domingo, 10 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Correndo por fora

Diretores de "Conduta de Risco' e "Juno" contam à Folha como receberam as pouco esperadas indicações às categorias principais do Oscar

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Custou US$ 7,5 milhões, e a bilheteria já bate nos US$ 110 milhões. De 1.019 salas em que era exibido nos EUA em 30 de dezembro, passou para 2.534 em 20 de janeiro. Do decano Roger Ebert ("Chicago Sun-Times") a A.O. Scott ("New York Times") -fora "New Yorker", "Slate"-, recolheu textos entusiasmados. Mas, mesmo com o sucesso de público e de crítica, "Juno" vai ao Oscar correndo por fora nas duas principais categorias do prêmio -melhor filme e melhor direção.
É uma situação parecida com a de "Conduta de Risco", de Tony Gilroy (diretor) e George Clooney (ator). O filme, mesmo com sete indicações, é tido como um azarão na disputa das duas estatuetas mais valiosas.
"Onde os Fracos Não Têm Vez", dos irmãos Coen, "Sangue Negro", de Paul Thomas Anderson, ambos com oito estatuetas na mira cada um, além de "Desejo e Reparação", indicado em sete categorias, são considerados pelos especialistas em Oscar os favoritos da 80ª edição da premiação, cuja cerimônia acontece no próximo dia 24, em Los Angeles.
"Foi uma surpresa monstruosa", disse o diretor de "Juno", Jason Reitman, em entrevista por telefone da qual a Folha participou. "Aposto que ninguém ficou tão surpreso quanto eu ao receber uma indicação para o Oscar."
Também por telefone, Diablo Cody (ou Brook Busey-Hunt), a roteirista do filme, faz uso de um discurso de jogador de futebol para comentar sua indicação ("Juno" também concorre em roteiro original e atriz): "Eu realmente acho que não vou ganhar, mas estou ao lado de gente que admiro, então só por ter sido indicada me sinto uma pessoa de sorte".
Com estréia brasileira no dia 22 (mas já em exibição em pré-estréias), "Juno" está sendo comparado a "Pequena Miss Sunshine" (2006), outra comédia de baixo orçamento que se transformou em fenômeno de bilheteria e que abocanhou indicações ao Oscar.
"Nos últimos anos houve uma mudança em como certas pessoas qualificam as comédias", opina Reitman. "Não é fácil fazer uma comédia, há muitas armadilhas. A partir dos anos 90, com gente como P.T. Anderson, Wes Anderson, Alexander Payne, as pessoas passaram a enxergar que a comédia pode ser complexa e diferente. Eu nunca poderia dizer ou filmar certas coisas se "Juno" fosse feito como um drama."

Grávida aos 16
O que Reitman filma é a história de Juno MacGuff (Ellen Page), que aos 16 anos engravida após transar com Paulie Bleeker (Michael Cera), um amigo da escola. Juno pensa em aborto, vai até uma clínica, mas desiste. Decide levar a gravidez até o final e doar o bebê.
A partir de um anúncio de revista, encontra Vanessa (Jennifer Garner) e Mark Loring (Jason Bateman), típico casal estável de classe média alta. Após uma reunião, garota e casal assumem o compromisso.
A partir daí, o filme é costurado por meio da relação de Juno com seu pai (J.K. Simmons), com sua madrasta (Allison Janney), com Paulie e com Mark, com teor cômico (mais) e dramático (um pouco menos).
Foi complicado transformar o argumento em filme?
"Não muito", diz Reitman. "Passo muito tempo com adolescentes grávidas... Brincadeira. Em princípio, pensei nisso, que estava entrando num território totalmente estranho, mas ao ler o roteiro me senti de alguma forma envolvido naquilo. E o meu papel como diretor, ao trabalhar em cima do roteiro de outra pessoa, é tentar fazer com que o público capte o que eu senti ao ler esse roteiro."
Para o cineasta, o roteiro é o principal trunfo de "Juno". Na verdade, não apenas para ele, porque, além da indicação ao Oscar, Diablo Cody já arrumou emprego como roteirista de "The United States of Tara", série de TV que está sendo produzida por Steven Spielberg.
"Juno" foi a estréia de Cody no cinema. Ela já trabalhou como stripper (época que conta no livro "Candy Girl: A Year in the Life of an Unlikely Stripper"; Candy Girl: um ano na vida de uma stripper acidental); telefonista de disque-sexo e blogueira (diablocody.blogspot.com).
"Levei dois meses para escrever o roteiro", conta. "Nunca tinha feito nada parecido, não tinha nenhum conhecimento de como era estruturado um roteiro para o cinema."
O ponto de partida, segundo Cody, foi seu interesse pela "dinâmica psicológica entre adultos que querem adotar uma criança e uma adolescente que engravida sem desejar".
"Todos conhecemos alguém que de alguma forma está envolvido ou que conhece alguém envolvido numa situação dessas. Meu ex-marido foi adotado, então ele me contou várias histórias e situações por que passou. Quando eu era adolescente, tive uma amiga que engravidou e passou por momentos parecidos com os de Juno. Mas não me baseei diretamente em nenhuma situação real para escrever os personagens."
Enquanto Diablo Cody não conhecia nada sobre estrutura cinematográfica, Jason Reitman está há anos no meio. Antes de "Juno", havia dirigido só um longa, "Obrigado por Fumar" (2006), mas freqüenta sets de filmagem desde criança, acompanhando o pai, o cineasta Ivan Reitman ("Os Caça-Fantasmas", entre outros).
"Eu freqüentava os sets e via como acontecia um processo de filmagem, o que foi uma experiência fantástica", lembra. "A melhor coisa que meu pai me ensinou foi a estudar, toda manhã, a cena imediatamente anterior e a cena imediatamente posterior ao que eu iria filmar naquele dia. Porque assim você tem uma idéia clara de onde os personagens estão vindo e para onde eles estão indo."

Boa história
Reitman explora com habilidade as nuances do roteiro, tanto as piadas e as referências pop como os momentos de insegurança de Juno.
"Cinema para mim tem a ver com contar uma boa história e mexer com o público. Adoro contar uma história e fazer as pessoas rirem. Sinto um enorme prazer ao entrar em um cinema que esteja passando um de meus filmes e ver o público rir ou se emocionar."
""Juno" representa de forma precisa os adolescentes de hoje, melhor do que qualquer outro roteiro que eu tenha visto", diz o diretor. "E ele apareceu na época certa. Há tantas incertezas na vida e no próprio cinema. "Juno" trata de um tema pesado, mas nos faz rir, nos dá uma ponta de esperança."


Texto Anterior: Horário nobre na TV aberta
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.