São Paulo, quinta-feira, 10 de março de 2005

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Aguinaldo Silva fala sobre "Senhora do Destino", a novela mais vista da história

O senhor das 8

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O autor Aguinaldo Silva com o gato Tadeu, na borda da piscina de sua casa na Barra da Tijuca (RJ)


DANIEL CASTRO
ENVIADO ESPECIAL AO RIO

O ex-repórter policial Aguinaldo Silva, 61, temia que "Senhora do Destino", que termina amanhã, fosse um "desastre", porque, apesar "de certinha", ela experimentou um "roteiro moderno" e "acabou várias vezes".
Mas não. A novela que contou a saga de uma retirante nordestina que teve a filha seqüestrada por uma megavilã foi um surpreendente sucesso. Com pelo menos 45 milhões de telespectadores, é a mais vista de todos os tempos.
Para fazer de sua primeira novela solo (todas as anteriores, todas das oito, ele dividiu a autoria com alguém) um fenômeno, Silva tratou de promovê-la pessoalmente, driblando a burocrática divulgação feita pela Globo.
Por causa dessa abertura a jornais e revistas, o último capítulo só traz uma expectativa, se Maria do Carmo (Suzana Vieira) termina com Dirceu (José Mayer) ou Giovanni (José Wilker). Aguinaldo Silva diz que escreveu, e a Globo gravou, os dois finais. E que só tomará a decisão de qual deles levará ao ar amanhã à tarde.
Na entrevista a seguir, o novelista fala da novela, de homossexualismo, de imprensa, de nordestinos e um pouco de política.
 

Folha - Você esperava que a novela fizesse tanto sucesso?
Aguinaldo Silva
- Não. Achava que podia ser um desastre, porque é diferente das outras. Mesmo quando a novela é certinha, pode não dar certo, imagine quando ela não é. Tive muito medo disso.

Folha - Mas ela não é certinha, com os elementos consagrados?
Silva
- Sim, mas tem uma linguagem que as novelas nunca tiveram, um roteiro moderno, contemporâneo. Ela é muito rápida para o telespectador. Essa é uma novela que, na verdade, acabou várias vezes. As pessoas ficaram presas a ela, porque ela não dava chance ao telespectador de respirar. Apostei todas as minhas fichas nessa novela, porque eu precisava fazer uma novela solo.

Folha - Nessa novela você foi mais acessível à imprensa, não?
Silva
- Sim, porque descobri que, durante muitos anos, a novela foi um trabalho meio amadorístico. Era uma coisa poderosíssima, mas feita aos trancos. A relação do autor com a imprensa também era uma coisa amadorística.
Sempre senti um certo desdém da mídia pelo trabalho dos novelistas. Entendi que a culpa não é da mídia. Os autores, amadores, se colocavam num pedestal e não falavam com fulano ou sicrano.
Você tem não só que escrever sua novela, tem que promovê-la. A única maneira de fazer isso, claro, é sabendo lidar com a mídia. Então eu parti para isso. Isso me tomou um tempo enorme, porque decidi que ia divulgar a novela da melhor maneira possível.

Folha - Você acha que essa divulgação gerou repercussão e, com isso, alguns pontos no Ibope?
Silva
- Ah, sem dúvida. Mesmo sabendo o que vai acontecer, o telespectador quer ver como é que vai acontecer. E a palavra escrita tem um peso que é fundamental. O que está no jornal, na revista, tem um peso que a televisão não tem, porque ela se perde no éter.

Folha - Esta é a sua primeira novela que não tem nada de realismo mágico, certo?
Silva
- Sim. Porque acho que a realidade ficou tão exacerbada e intensa que realismo mágico não faz mais sentido. O realismo mágico foi um modismo latino-americano, que passou. Recentemente, passei os olhos por "Cem Anos de Solidão" [clássico do realismo mágico, de Gabriel García Márquez] e achei uma bobagem.

Folha - O que você planejou e não conseguiu fazer nessa novela?
Silva
- A história de Iara Steiner [Helena Ranaldi] era muito boa, a da mulher independente que resolve ter um filho de produção independente e que depois se dá mal e não tem a menor dúvida em cobrar pensão do pai da criança. Por várias razões, essa história não foi utilizada como deveria.

Folha - E o que você não planejou e acabou dando certo?
Silva
- Essa novela foi milimetricamente planejada. Tem coisa como essa da Ranaldi que eu não fiz, mas nada foi improvisado.

Folha - O público, que aceitou as lésbicas de sua novela, está mais tolerante com o homossexualismo?
Silva
- O Brasil sempre foi tolerante. Desde a época da colônia. Os cronistas do começo do século 20, tipo João do Rio, eram homossexuais. Pelo menos o Rio sempre foi uma cidade muito liberal. Mas, quando você vai abordar um assunto desses numa novela, tem que tomar certas precauções, porque você não está escrevendo só para o público mais esclarecido, está escrevendo para o país inteiro. Provavelmente, se as minhas meninas não fossem duas pessoas tão certinhas, e isso foi proposital, acho que criaria um mal-estar.


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