São Paulo, quinta-feira, 10 de março de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

COMIDA

Governo estuda transformar prato nordestino em patrimônio

Baião faz história

ISABELLE MOREIRA LIMA
DA REPORTAGEM LOCAL

Depois que o acarajé e o ofício das baianas receberam registro de patrimônio cultural do país no último ano, o baião-de-dois pode ter sua chance de entrar para o "hall da fama" das comidas brasileiras, tornando-se patrimônio imaterial do Brasil.
O Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea) do governo federal discutirá neste mês a possibilidade de tornar a receita cearense, feita a base de arroz, feijão e queijo de coalho, um bem cultural registrado no Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) durante a sessão anual do Comitê Permanente de Nutrição das Nações Unidas em Brasília. Com a iniciativa, o prato poderá, por exemplo, entrar no cardápio da merenda escolar.
Mas se o baião-de-dois, de fato, receber o registro de bem cultural, isso não significa que a receita será "tombada" e não poderá jamais ser feita de maneira diferente da original, criada no sertão nordestino. Ela passará por pesquisa e documentação, e as versões adaptadas ainda poderão ser produzidas.
Em São Paulo, é possível conhecer diferentes tipos de baião-de-dois: desde o baião "raiz", feito com arroz, feijão verde fresco, queijo de coalho, nata de leite, cebolinha e coentro -um tempero comumente preterido no Sudeste-, até variações com bastante salsinha, carnes e outras iguarias aparentemente estranhas para a combinação, como o dendê. Para os puristas a idéia pode assustar, mas uma vez que a oportunidade é dada, a surpresa tem boas chances de agradar.
O restaurante com cara de boteco Biu, em Pinheiros, tem uma receita bem diferente. A proprietária Edinólia da Silva, 48, que comanda a cozinha do restaurante desde a inauguração, há 23 anos, usa lingüiça curada, carne seca desfiada, manteiga de garrafa e até leite de coco. O processo de preparação também foi adaptado por ela. Os ingredientes são cozidos separadamente e depois unidos em um refogado. "Faço de um jeito que eu inventei aqui, diferente do que a minha mãe fazia na Bahia", diz Silva, que sugere rabada, carneiro ou picanha como acompanhamentos.
A produtora de internet Tereza Cândida, 24, cearense radicada em São Paulo, conta que passou por uma saga que batizou de "baião intuitivo" em busca do prato perfeito: foi em nove diferentes restaurantes e ainda não encontrou um semelhante ao feito no Ceará. "As pessoas têm muita boa vontade para acertar, mas incrementam, deixam de usar coisas essenciais como o feijão verde, que é difícil de achar, e usam carne e calabresa. Eu já comi baião até com açafrão", conta. Mesmo assim, Cândida não se decepcionou. "Todos são gostosos, mas não acho que são baião-de-dois. Deveriam ter outro nome, tipo baião paulista", sugere.
No restaurante Colher de Pau, no Itaim, com um pouco de sorte, até o feijão verde entra no prato. "O sabor do prato fica mais fresco. Mas às vezes não encontramos e substituímos pelo feijão de corda", explica a chef Rosele Tejada. O prato é servido com carne-de-sol, paçoca (preparado de farinha com carne seca pilada), banana frita, batata doce e mandioca.
No Tordesilhas, em Cerqueira César, o baião-de-dois entra no bufê do fim de semana. A chef Mara Salles prefere a receita mais tradicional. "Filosofando um pouquinho, eu acho que nós brasileiros gostamos muito das misturas. Essa misturinha de arroz com feijão mostra um pouco da nossa característica."


BIU. Onde: rua Cardeal Arcoverde, 776, Pinheiros, tel. 0/xx/ 11/ 3081-6739.
COLHER DE PAU. Onde: rua Dr. Mario Ferraz, 563, Itaim, tel. 0/xx/11/3168-8068.
TORDESILHAS. Onde: rua Bela Cintra, 465, Cerqueira Cesar, tel. 0/xx/ 11/3107-7444


Texto Anterior: Novo "Potter" tem capa para adultos
Próximo Texto: Para nutricionista, mistura é perfeita, além de espontânea
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.