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CINEMA/ESTRÉIA
Em "Um Herói do Nosso Tempo", Radu Mihaileanu reconstitui a "operação Moisés", que resgatou etíopes para Israel
Romeno conta a saga de judeus "invisíveis"
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando deixou para trás a Romênia do ditador Nicolae Ceausescu (1918-1989) em direção à
rança, Radu Mihaileanu tinha 22
anos de idade.
"Parti sozinho. Nem meus pais
nem meu irmão nem meus amigos podiam ir. Eu pensava que
nunca mais os veria", diz o hoje
cineasta que, aos 47, define-se como "francês de origem romena".
É também a história de um exílio e da formação da identidade o
ponto de partida de seu filme
"Um Herói do Nosso Tempo",
que estréia hoje no Brasil.
A partir da história real da fuga
de judeus etíopes para Israel, em
1984, Mihaileanu desenha a trajetória de um garoto cristão que finge ser judeu para sobreviver.
No Brasil para promover seu filme, o cineasta falou à Folha.
Folha - O significado de ser judeu
é a interrogação que o sr. propõe
em "Um Herói do Nosso Tempo"?
Radu Mihaileanu - A questão que
o personagem de Scholomo [o
cristão que se finge judeu] propõe
é o que é a identidade de um ser
humano, para além do povo judeu. Hoje, temos todos uma identidade específica e profunda, de
um lado, que vem da família, da
cidade, do país, da cultura em que
nascemos e, por outro lado, abraçamos muitas outras identidades.
O filme coloca essa questão.
Scholomo é cristão, etíope, africano e vai se tornar também judeu,
israelense, francófono.
Folha - Refletir sobre a formação
da identidade moderna equivale a
refletir sobre a origem dos conflitos contemporâneos?
Mihaileanu - Sim. Os conflitos
atuais no mundo vêm da questão
da identidade e da aceitação do
outro. O fanatismo mundial, seja
muçulmano, cristão ou judaico
vem do fato de que não aceitamos
o outro, a diferença. Não aceitamos o fato de que nós estamos
nos tornando outros..
Folha - Como o protagonista de
seu filme, o sr. emigrou em busca
de condições de vida mais favoráveis. Como se sentiu ao fazê-lo?
Mihaileanu - Parti sozinho. Nem
meus pais, nem meu irmão nem
meus amigos podiam ir. Eu pensava que nunca mais os veria. Foi
duro chegar a um país [França]
onde todos debochavam do meu
forte sotaque e onde a sociedade
era muito diferente. Os romenos
são um pouco como os brasileiros
-calorosos, festeiros. Em Paris, a
sociedade é mais reservada, menos exuberante.
Folha - Em francês, o filme se chama "Vá, Viva e Transforme-se". O
que achou do título brasileiro?
Mihaileanu - Fiquei surpreso,
porque ele não diz a mesma coisa
que o título francês. Mas tenho dificuldade de julgar, porque não
entendo bem como as pessoas no
Brasil lêem um título e o que lhes
dá vontade de ver num filme.
Folha - "Vá, Viva e Transforme-se" quer despertar que tipo de interesse no espectador?
Mihaileanu - Queria transmitir a
imagem de um filme épico, de
uma história epopéica, de uma vida inteira. E que o título tivesse
um valor um pouco filosófico e
um pouco trágico, como a vida de
Scholomo. As três palavras são os
três períodos de sua vida: "vá" é a
infância, "viva" é a adolescência,
onde ele descobre o amor e "transforme-se" é a idade adulta, em que
ele aprende o que deve ser.
Folha - Como roteirista, por que o
sr. optou por reconstituir um fato
histórico por meio de um personagem ficcional?
Mihaileanu - No Festival do Filme Judeu de Los Angeles, em
1999, conheci um judeu etíope,
que me contou sua vida. Ele perdera toda a família na estrada entre a Etiópia e o Sudão. Estávamos
num bar, e nunca chorei tanto na
minha vida. Nunca fui tão sacudido pela emoção. Li tudo sobre isso
e decidi fazer um filme, porque fiquei revoltado com o fato de ninguém conhecer essa história. O
dever de um cineasta não é só fazer belos filmes mas também tornar visíveis as pessoas invisíveis.
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