São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 2006

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CINEMA/ESTRÉIA

Em "Um Herói do Nosso Tempo", Radu Mihaileanu reconstitui a "operação Moisés", que resgatou etíopes para Israel

Romeno conta a saga de judeus "invisíveis"

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando deixou para trás a Romênia do ditador Nicolae Ceausescu (1918-1989) em direção à rança, Radu Mihaileanu tinha 22 anos de idade. "Parti sozinho. Nem meus pais nem meu irmão nem meus amigos podiam ir. Eu pensava que nunca mais os veria", diz o hoje cineasta que, aos 47, define-se como "francês de origem romena". É também a história de um exílio e da formação da identidade o ponto de partida de seu filme "Um Herói do Nosso Tempo", que estréia hoje no Brasil. A partir da história real da fuga de judeus etíopes para Israel, em 1984, Mihaileanu desenha a trajetória de um garoto cristão que finge ser judeu para sobreviver. No Brasil para promover seu filme, o cineasta falou à Folha.

 

Folha - O significado de ser judeu é a interrogação que o sr. propõe em "Um Herói do Nosso Tempo"?
Radu Mihaileanu -
A questão que o personagem de Scholomo [o cristão que se finge judeu] propõe é o que é a identidade de um ser humano, para além do povo judeu. Hoje, temos todos uma identidade específica e profunda, de um lado, que vem da família, da cidade, do país, da cultura em que nascemos e, por outro lado, abraçamos muitas outras identidades.
O filme coloca essa questão. Scholomo é cristão, etíope, africano e vai se tornar também judeu, israelense, francófono.

Folha - Refletir sobre a formação da identidade moderna equivale a refletir sobre a origem dos conflitos contemporâneos?
Mihaileanu -
Sim. Os conflitos atuais no mundo vêm da questão da identidade e da aceitação do outro. O fanatismo mundial, seja muçulmano, cristão ou judaico vem do fato de que não aceitamos o outro, a diferença. Não aceitamos o fato de que nós estamos nos tornando outros..

Folha - Como o protagonista de seu filme, o sr. emigrou em busca de condições de vida mais favoráveis. Como se sentiu ao fazê-lo?
Mihaileanu -
Parti sozinho. Nem meus pais, nem meu irmão nem meus amigos podiam ir. Eu pensava que nunca mais os veria. Foi duro chegar a um país [França] onde todos debochavam do meu forte sotaque e onde a sociedade era muito diferente. Os romenos são um pouco como os brasileiros -calorosos, festeiros. Em Paris, a sociedade é mais reservada, menos exuberante.

Folha - Em francês, o filme se chama "Vá, Viva e Transforme-se". O que achou do título brasileiro?
Mihaileanu -
Fiquei surpreso, porque ele não diz a mesma coisa que o título francês. Mas tenho dificuldade de julgar, porque não entendo bem como as pessoas no Brasil lêem um título e o que lhes dá vontade de ver num filme.

Folha - "Vá, Viva e Transforme-se" quer despertar que tipo de interesse no espectador?
Mihaileanu -
Queria transmitir a imagem de um filme épico, de uma história epopéica, de uma vida inteira. E que o título tivesse um valor um pouco filosófico e um pouco trágico, como a vida de Scholomo. As três palavras são os três períodos de sua vida: "vá" é a infância, "viva" é a adolescência, onde ele descobre o amor e "transforme-se" é a idade adulta, em que ele aprende o que deve ser.

Folha - Como roteirista, por que o sr. optou por reconstituir um fato histórico por meio de um personagem ficcional?
Mihaileanu -
No Festival do Filme Judeu de Los Angeles, em 1999, conheci um judeu etíope, que me contou sua vida. Ele perdera toda a família na estrada entre a Etiópia e o Sudão. Estávamos num bar, e nunca chorei tanto na minha vida. Nunca fui tão sacudido pela emoção. Li tudo sobre isso e decidi fazer um filme, porque fiquei revoltado com o fato de ninguém conhecer essa história. O dever de um cineasta não é só fazer belos filmes mas também tornar visíveis as pessoas invisíveis.


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