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CRÍTICA
Excesso de ambição enfraquece drama
PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA
Refugiados no guarda-chuva da correção política e da
relevância histórica e social dos
temas que escolhem abordar, certos realizadores se permitem todos os abusos narrativos possíveis. O diretor Radu Mihaileanu
está entre eles.
Em "Um Herói do Nosso Tempo" não há tema importante que
escape da mira do diretor: miséria, emigração, choque de culturas, preconceito religioso, preconceito racial, orfandade, solidariedade, conflito entre judeus e palestinos, conflito pai-filho e até as
vicissitudes da adolescência estão
entre as questões que afloram nas
duas horas e 20 minutos de projeção. A vontade de ser "tudo ao
mesmo tempo agora" se repete
nos formatos narrativos, que vão
da escala épica ao drama intimista, passando pelo melodrama.
Tamanha ambição raramente
faz bem a um filme -e "Um Herói..." não é exceção. Não há como
negar a importância do fato histórico que Mihaileanu pretende iluminar. O épico é a primeira etapa,
tendo como cenário um campo
de refugiados no deserto do Sudão, em 1984, quando Israel realiza, com o apoio dos EUA, a "Operação Moisés", para retirar da
África os judeus etíopes conhecidos como "falachas" e levá-los para a terra prometida. Mihaileanu
imagina um menino católico que,
nessa operação, se faz passar por
judeu para fugir das condições
miseráveis em que vive. Depois
que a falsa mãe com quem embarca morre, o menino, agora Schlomo (Salomão), é adotado por
uma família de origem francesa
de Tel Aviv.
Temos aí uma inversão básica
do que se tornou comum em filmes sobre a identidade judaica (a
necessidade de escondê-la para
fugir da perseguição, como acontece em "Trem da Vida", do próprio Mihaileanu). O protagonista
de "Um Herói do Nosso Tempo"
precisa convencer as autoridades
israelenses de que é judeu, sob a
pena de ser deportado. Mas o menino, que não é judeu nem órfão,
cresce com a identidade partida e
o dilema moral de ser um eterno
impostor. Ao mesmo tempo, tem
a obsessão de reencontrar a verdadeira mãe -onde entra o melodrama assumido.
Os poucos momentos tocantes
de "Um Herói do Nosso Tempo"
não passam pela mise-en-scène
nem pela articulação de idéias.
Eles se devem exclusivamente ao
esforço dos atores, principalmente os intérpretes de Schlomo e de
sua mãe adotiva (Yael Abecassis),
que evitam um esvaziamento ainda maior dessa tentativa de se realizar um épico contemporâneo
relevante, mas que se perde em
uma narrativa apelativa.
Um Herói do Nosso Tempo
Va, Vis et Deviens
Produção: França/Bélgica/Israel/Itália, 2005
Direção: Radu Mihaileanu
Com: Yaël Abecassis, Roschdy Zem
Quando: a partir de hoje nos cines Frei Caneca e Reserva Cultural
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