São Paulo, sexta-feira, 10 de março de 2006

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CRÍTICA

Excesso de ambição enfraquece drama

PEDRO BUTCHER
CRÍTICO DA FOLHA

Refugiados no guarda-chuva da correção política e da relevância histórica e social dos temas que escolhem abordar, certos realizadores se permitem todos os abusos narrativos possíveis. O diretor Radu Mihaileanu está entre eles.
Em "Um Herói do Nosso Tempo" não há tema importante que escape da mira do diretor: miséria, emigração, choque de culturas, preconceito religioso, preconceito racial, orfandade, solidariedade, conflito entre judeus e palestinos, conflito pai-filho e até as vicissitudes da adolescência estão entre as questões que afloram nas duas horas e 20 minutos de projeção. A vontade de ser "tudo ao mesmo tempo agora" se repete nos formatos narrativos, que vão da escala épica ao drama intimista, passando pelo melodrama.
Tamanha ambição raramente faz bem a um filme -e "Um Herói..." não é exceção. Não há como negar a importância do fato histórico que Mihaileanu pretende iluminar. O épico é a primeira etapa, tendo como cenário um campo de refugiados no deserto do Sudão, em 1984, quando Israel realiza, com o apoio dos EUA, a "Operação Moisés", para retirar da África os judeus etíopes conhecidos como "falachas" e levá-los para a terra prometida. Mihaileanu imagina um menino católico que, nessa operação, se faz passar por judeu para fugir das condições miseráveis em que vive. Depois que a falsa mãe com quem embarca morre, o menino, agora Schlomo (Salomão), é adotado por uma família de origem francesa de Tel Aviv.
Temos aí uma inversão básica do que se tornou comum em filmes sobre a identidade judaica (a necessidade de escondê-la para fugir da perseguição, como acontece em "Trem da Vida", do próprio Mihaileanu). O protagonista de "Um Herói do Nosso Tempo" precisa convencer as autoridades israelenses de que é judeu, sob a pena de ser deportado. Mas o menino, que não é judeu nem órfão, cresce com a identidade partida e o dilema moral de ser um eterno impostor. Ao mesmo tempo, tem a obsessão de reencontrar a verdadeira mãe -onde entra o melodrama assumido.
Os poucos momentos tocantes de "Um Herói do Nosso Tempo" não passam pela mise-en-scène nem pela articulação de idéias. Eles se devem exclusivamente ao esforço dos atores, principalmente os intérpretes de Schlomo e de sua mãe adotiva (Yael Abecassis), que evitam um esvaziamento ainda maior dessa tentativa de se realizar um épico contemporâneo relevante, mas que se perde em uma narrativa apelativa.


Um Herói do Nosso Tempo
Va, Vis et Deviens
  
Produção: França/Bélgica/Israel/Itália, 2005
Direção: Radu Mihaileanu
Com: Yaël Abecassis, Roschdy Zem
Quando: a partir de hoje nos cines Frei Caneca e Reserva Cultural


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