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aula de cinema
Laurent Cantet, vencedor de Cannes com filme sobre universo escolar, diz que sala de aula é "microcosmo da sociedade'
Divulgação
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O diretor Laurent Cantet (à dir.) e parte do elenco 'Entre os Muros da Escola'
SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL
"A Palma de Ouro é a mais
bela recompensa que um cineasta pode querer", diz Laurent Cantet, 47, que recebeu o
prêmio máximo do Festival de
Cannes no ano passado, com
"Entre os Muros da Escola",
seu quinto longa-metragem.
O que o deixou mais feliz que
a recompensa, porém, foi ver
projetada por meio dela "uma
imagem oficial da França fiel à
diversidade mostrada no filme". Trata-se de uma França
multiétnica, mas em busca de
uma linguagem comum, como
ele cita na entrevista a seguir.
FOLHA - Por que o tema da escola?
LAURENT CANTET - Ao observar o
que ocorre nessa etapa da vida,
podemos abordar as questões
principais com que somos confrontados na sociedade: que lugar ocupamos num grupo; que
relação estabelecemos com a
hierarquia e a disciplina; por
que uma linguagem comum é
importante? Uma sala de aula é
um microcosmo que descreve
mais largamente a sociedade.
Também tinha vontade de
filmar adolescentes, porque é o
momento em que começamos a
refletir sobre quem somos, o
papel que teremos no mundo e
que atitude teremos face a todas as questões. É o momento
em que o senso crítico nasce.
FOLHA - Por que o sr. acha "os atores mais honestos do que as pessoas
que atuam em documentários"?
CANTET - Quando alguém é tema de um documentário, forçosamente fala de si mesmo. Isso envolve muito pudor ou o
desejo de ser um pouco mais
brilhante do que se é, além da
dificuldade inerente ao fato de
falar sobre si. Quando se está
protegido por um personagem,
pode-se ser mais sincero, falar
tudo, porque tem-se a impressão de que irão julgar o personagem, não você mesmo. Acho
que, por isso, os atores atingem
uma generosidade superior.
FOLHA - O sr. escalou para o elenco
jovens vindos de um ambiente semelhantes ao que a trama retrata.
Quis ficar no campo da autoficção?
CANTET - Os atores não interpretam necessariamente personagens parecidos com eles.
Em alguns casos, isso de fato
existe. A garota que faz Esmeralda se parece muito com a
personagem. Gosta de discutir
e quer ter sempre a última palavra. Por outro lado, o ator que
faz Soulemane é muito gentil,
muito doce, quase tímido. Foi
preciso que trabalhássemos
juntos para endurecê-lo. Arthur, o gótico no filme, não tem
nada de gótico na vida real, mas
se divertia com a ideia de defender esse personagem.
FOLHA - E quanto ao autor do livro
autobiográfico no qual o filme se baseia, François Bégaudeau, que interpreta no filme o papel do professor?
CANTET - Em sua relação geral
com a classe, François está
muito próximo do que poderia
ser quando era professor. Mas,
na segunda parte do filme, a
culpabilidade e o dilema que vive no episódio de Soulemane
[aluno submetido a um conselho disciplinar que julga sua
eventual expulsão do colégio]
são reações que ele não teria
daquela forma. Ele seria muito
mais ativo. François construiu
aquilo, aceitou o personagem.
FOLHA - Houve quem visse no filme uma prova de que o sistema
educacional francês está falido e
que integrar imigrantes é nocivo à
França. Isso o incomoda?
CANTET - Quando faço um filme, quero lançar perguntas,
descrever a complexidade do
tema que abordo. Não quero
encontrar soluções, porque
creio que a complexidade das
situações não comporta soluções fáceis. Refletindo a partir
do filme, cada um irá comparar
o que ele propõe com a sua própria experiência. É claro que as
leituras serão muito diferentes,
segundo a experiência de cada
um. É fato que houve manifestações reacionárias. Não me
sinto responsável pelo conservadorismo dessas pessoas, acho
que o filme não mudou a maneira como elas veem o mundo.
Talvez tenha servido para confirmar ideias que elas já tinham, mas não é responsável
por essas ideias. De todo modo,
ele suscitou um debate, e o debate me interessa, qualquer debate. É assim que as coisas
avançam numa democracia.
FOLHA - Como os atores estreantes
lidam com o sucesso repentino?
CANTET - Isso me deixou muito
inquieto, me deu medo. Tentamos protegê-los, mas eles tiveram uma atitude muito clara
em relação ao assédio da mídia:
o grupo sempre foi mais importante para eles do que cada um,
individualmente. Nunca alguém tentou bancar a estrela.
Eles viveram isso não com frieza, porque desfrutaram de todas as alegrias que tivemos,
mas mantendo o pé no chão.
FOLHA - O ator Sean Penn, presidente do júri que deu a Palma de
Ouro ao seu longa, disse que ele tem
"tudo o que se pode querer de um
filme". O sr. tem a sensação de que
fez o filme perfeito?
CANTET - Tenho muito prazer
em ouvir Sean Penn dizer isso,
mas não. Tenho a impressão de
ter feito o filme que queria, mas
há muitas coisas nele que me
incomodam. O que me agrada
na reação das pessoas é a dúvida sobre se é uma ficção ou um
documentário. Gosto de sentir
que as pessoas são interrogadas
pelo filme a propósito de seu
próprio status.
FOLHA - Trabalhando ainda na divulgação de "Entre os Muros da Escola", o sr. já conseguiu desenvolver
um novo projeto?
CANTET - Não, mas tenho a certeza de que encontrei com esse
filme a minha forma de trabalhar e quero começar o próximo no mesmo espírito.
FOLHA - Então seus novos filmes
desafiarão o espectador sobre seu
status de ficção ou documentário?
CANTET - Sim. O cineasta que
mais me comove é Roberto
Rossellini. Quando vemos "Roma - Cidade Aberta" ou "Alemanha - Ano Zero", percebemos uma parte documental
muito forte, mas esse lado documental nunca bloqueia a
emoção. É isso o que procuro.
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