São Paulo, terça-feira, 10 de março de 2009

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aula de cinema

Laurent Cantet, vencedor de Cannes com filme sobre universo escolar, diz que sala de aula é "microcosmo da sociedade'

Divulgação
O diretor Laurent Cantet (à dir.) e parte do elenco 'Entre os Muros da Escola'

SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"A Palma de Ouro é a mais bela recompensa que um cineasta pode querer", diz Laurent Cantet, 47, que recebeu o prêmio máximo do Festival de Cannes no ano passado, com "Entre os Muros da Escola", seu quinto longa-metragem. O que o deixou mais feliz que a recompensa, porém, foi ver projetada por meio dela "uma imagem oficial da França fiel à diversidade mostrada no filme". Trata-se de uma França multiétnica, mas em busca de uma linguagem comum, como ele cita na entrevista a seguir.

 

FOLHA - Por que o tema da escola?
LAURENT CANTET
- Ao observar o que ocorre nessa etapa da vida, podemos abordar as questões principais com que somos confrontados na sociedade: que lugar ocupamos num grupo; que relação estabelecemos com a hierarquia e a disciplina; por que uma linguagem comum é importante? Uma sala de aula é um microcosmo que descreve mais largamente a sociedade. Também tinha vontade de filmar adolescentes, porque é o momento em que começamos a refletir sobre quem somos, o papel que teremos no mundo e que atitude teremos face a todas as questões. É o momento em que o senso crítico nasce.

FOLHA - Por que o sr. acha "os atores mais honestos do que as pessoas que atuam em documentários"?
CANTET
- Quando alguém é tema de um documentário, forçosamente fala de si mesmo. Isso envolve muito pudor ou o desejo de ser um pouco mais brilhante do que se é, além da dificuldade inerente ao fato de falar sobre si. Quando se está protegido por um personagem, pode-se ser mais sincero, falar tudo, porque tem-se a impressão de que irão julgar o personagem, não você mesmo. Acho que, por isso, os atores atingem uma generosidade superior.

FOLHA - O sr. escalou para o elenco jovens vindos de um ambiente semelhantes ao que a trama retrata. Quis ficar no campo da autoficção?
CANTET
- Os atores não interpretam necessariamente personagens parecidos com eles. Em alguns casos, isso de fato existe. A garota que faz Esmeralda se parece muito com a personagem. Gosta de discutir e quer ter sempre a última palavra. Por outro lado, o ator que faz Soulemane é muito gentil, muito doce, quase tímido. Foi preciso que trabalhássemos juntos para endurecê-lo. Arthur, o gótico no filme, não tem nada de gótico na vida real, mas se divertia com a ideia de defender esse personagem.

FOLHA - E quanto ao autor do livro autobiográfico no qual o filme se baseia, François Bégaudeau, que interpreta no filme o papel do professor?
CANTET
- Em sua relação geral com a classe, François está muito próximo do que poderia ser quando era professor. Mas, na segunda parte do filme, a culpabilidade e o dilema que vive no episódio de Soulemane [aluno submetido a um conselho disciplinar que julga sua eventual expulsão do colégio] são reações que ele não teria daquela forma. Ele seria muito mais ativo. François construiu aquilo, aceitou o personagem.

FOLHA - Houve quem visse no filme uma prova de que o sistema educacional francês está falido e que integrar imigrantes é nocivo à França. Isso o incomoda?
CANTET
- Quando faço um filme, quero lançar perguntas, descrever a complexidade do tema que abordo. Não quero encontrar soluções, porque creio que a complexidade das situações não comporta soluções fáceis. Refletindo a partir do filme, cada um irá comparar o que ele propõe com a sua própria experiência. É claro que as leituras serão muito diferentes, segundo a experiência de cada um. É fato que houve manifestações reacionárias. Não me sinto responsável pelo conservadorismo dessas pessoas, acho que o filme não mudou a maneira como elas veem o mundo. Talvez tenha servido para confirmar ideias que elas já tinham, mas não é responsável por essas ideias. De todo modo, ele suscitou um debate, e o debate me interessa, qualquer debate. É assim que as coisas avançam numa democracia.

FOLHA - Como os atores estreantes lidam com o sucesso repentino?
CANTET
- Isso me deixou muito inquieto, me deu medo. Tentamos protegê-los, mas eles tiveram uma atitude muito clara em relação ao assédio da mídia: o grupo sempre foi mais importante para eles do que cada um, individualmente. Nunca alguém tentou bancar a estrela. Eles viveram isso não com frieza, porque desfrutaram de todas as alegrias que tivemos, mas mantendo o pé no chão.

FOLHA - O ator Sean Penn, presidente do júri que deu a Palma de Ouro ao seu longa, disse que ele tem "tudo o que se pode querer de um filme". O sr. tem a sensação de que fez o filme perfeito?
CANTET
- Tenho muito prazer em ouvir Sean Penn dizer isso, mas não. Tenho a impressão de ter feito o filme que queria, mas há muitas coisas nele que me incomodam. O que me agrada na reação das pessoas é a dúvida sobre se é uma ficção ou um documentário. Gosto de sentir que as pessoas são interrogadas pelo filme a propósito de seu próprio status.

FOLHA - Trabalhando ainda na divulgação de "Entre os Muros da Escola", o sr. já conseguiu desenvolver um novo projeto?
CANTET
- Não, mas tenho a certeza de que encontrei com esse filme a minha forma de trabalhar e quero começar o próximo no mesmo espírito.

FOLHA - Então seus novos filmes desafiarão o espectador sobre seu status de ficção ou documentário?
CANTET
- Sim. O cineasta que mais me comove é Roberto Rossellini. Quando vemos "Roma - Cidade Aberta" ou "Alemanha - Ano Zero", percebemos uma parte documental muito forte, mas esse lado documental nunca bloqueia a emoção. É isso o que procuro.


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