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"ARARA BÊBADA"
Dalton na velocidade da sombra
MARCELINO FREIRE
ESPECIAL PARA A FOLHA
-...
-?
-...
Toda vez que sai um livro do
Trevisan é a mesma história. O
povo fica sem saber o que dizer.
Como eu, e agora? O enclausurado produz mais uma obra. Blablablá. Há quem diga que ele repete a
fórmula. Que o vôo do Vampiro
não quer mais voar.
Será?
Sei não.
De minha parte, pegarei o avião.
E baterei em Curitiba. Para ficar
de pirraça e de vigília. Ali, na porta de sua casa. Que mais parece
castelo e tem pintura cariada, à esquina de uma rua movimentada.
Vim bater palmas.
E mesmo assim, nada. Que palhaçada! Desse jeito não dá. Penso
em chamar a polícia armada. Entrarei com uma ordem judicial.
Não se esconde assim um patrimônio nacional.
Gritarei um elogio. "Dalton, seu
novo livro é animal."
?!!
Putz! Essa foi mal.
Quem sabe lendo um trecho de
um dos cem minicontos agora
reunidos? Perolazinhas do tipo:
"Diante do túmulo do velho bem-querido. Cabeça trêmula, a velhinha: E você? Por que ainda não
me enterrou?"
É isso. Vou morrer ali, só para
feder. Lembrarei: feito aquele
poema do Drummond, "O Mito".
Aproveitarei para dizer que
continuo vendo, sim, proximidades entre Curitiba e a cidade de
Itabira. O mesmo retrato na parede. A mesma vidinha besta.
Igualzinha àquela lá do miniconto "A Auréola": "Não fumo,
não bebo, não jogo, não minto,
não trepo. Estou com medo de virar santa."
Ou àquela da mãe e da filhinha
sentadas na grama, "duas bolas de
sorvete para cada uma".
O que me fascina, mais uma vez,
nas narrativas do Trevisan é o
tom melancólico que elas têm.
Sorrisinhos viúvos, demoninhos
do bem. Tudo correndo sem pressa, para a morte que neste e nos
outros livros do autor é sempre
incerta.
Pra que pressa, pô? Engana-se
quem acha que os contos do Dalton são rápidos porque são curtos. Não são flashes e nem relâmpagos. Têm eles a velocidade da
sombra. Puxa, que coisa bonita!
Dalton, escute só: você escreve
na velocidade da sombra.
Nossa, juro que depois dessa
minha descoberta, ele abrirá a janela e me olhará.
...
?
...
Feito uma "Arara Bêbada", sei
que rachará o bico, pode apostar.
Marcelino Freire é escritor, autor, entre
outros, de "BaléRalé".
ARARA BÊBADA. Autor: Dalton
Trevisan. Editora: Record. Quanto: R$
19,90 (112 págs.)
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