São Paulo, domingo, 10 de abril de 2005

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Há dez anos, as raves chegavam ao Brasil com público tímido; hoje, viraram negócio rentável, capaz de atrair mais de 15 mil pessoas por evento

Dance sem parar

THIAGO NEY
DA REPORTAGEM LOCAL

Dezembro de 1995: uma festa batizada de Techno Bells, ao lado do prédio da Faculdade de Química da USP, serve de encontro para 150 amigos dançarem música eletrônica, do trance ao tecno.
Novembro de 2004: o núcleo XXXPerience organiza evento na fazenda Maeda, em Itu (interior de SP), com alguns dos melhores DJs de trance psicodélico do mundo. Reúne 17 mil pessoas.
As raves, que apareceram com força na Europa no final dos anos 80, quando clubbers se reuniam em locais afastados das grandes cidades para ouvir -e celebrar- música eletrônica, virando a noite, chegaram ao Brasil mais tarde e hoje, dez anos depois, se transformaram num dos mais imponentes fenômenos culturais jovens do país.
Mais do que uma festa, as raves viraram negócio rentável, gerando empregos e até recebendo incentivos do poder público. Não há estatísticas precisas, mas alguns exemplos indicam o potencial econômico da empreitada.
Tradicional núcleo paulista, a Tribe montou sua festa de quatro anos numa pedreira em Pirapora do Bom Jesus, em dezembro passado. Com ingresso médio de R$ 45, 12 mil pessoas apareceram; 5.000 ficaram do lado de fora.
Em fevereiro, o mesmo núcleo organizou a segunda edição do festival Solaris, numa fazenda em Brotas (SP). Durante os cinco dias e quatro noites, mais de 5.000 jovens, de classe média-alta, passaram o Carnaval inteiro no local, dançando trance psicodélico.
"Cerca de 60% do público acampou na fazenda. O restante se hospedou na região. Acabaram as vagas nos hotéis", disse Rafael Bahan, 23, um dos produtores da festa. "O prefeito de Brotas quer que façamos o evento lá em 2006."
Cenário bem diferente do do início dos anos 90. Em março de 1993, aconteceu a L&M, num galpão na Barra Funda. Mas era mais uma festa urbana do que rave; foi a partir da Techno Bells de 1995 que esses eventos passaram a ocorrer de forma sistemática.
"Na época, a eletrônica era coisa de gueto", lembra o DJ Camilo Rocha, 36, um dos organizadores da pioneira Techno Bells. "Era elitista, restrita. Muita gente tinha ouvido falar sobre raves, mas nunca tinha ido. Não existia um desejo consciente, mas, em um ano, a coisa cresceu bastante."
Para Rocha, em 1998 as raves deixaram de ser apenas diversão de clubbers. "Foi organizada a Fusion, que teve público de 8.000 pessoas. Era uma progressão geométrica. Essa festa foi a que apontou para o fato de que as raves seriam um negócio rentável."
Com público menos "experiente", esses eventos eram embalados por música "eletrônica", sem distinções. Aos poucos, os fãs de house e de drum'n'bass se mostraram pouco afeitos aos ambientes menos urbanos. No Brasil, o tecno (de batidas secas, repetitivas, com poucos vocais), o trance (melódico, com mais vocais) e o trance psicodélico (melódico como o trance, com barulhos e efeitos nas músicas) são os gêneros dominantes nessas festas.
"O trance psicodélico é uma música agitada, utiliza instrumentos de que o brasileiro gosta, como bateria e guitarra. Caiu no gosto das pessoas. O público é de classe média, e a cada ano a cena aumenta mais em todo o Brasil", afirma Erick Dias, 26, diretor da No Limits, que organiza a XXXPerience -que já planeja expandir suas tendas para outros países da América do Sul.
De São Paulo, as raves tornaram-se atrações comuns no Paraná, em Brasília, no Ceará, em Goiás, no Mato Grosso... em praticamente todos os Estados.
Prova disso é a Ecosystem, a "rave da Amazônia", que juntou 35 mil festeiros numa pedreira em Manaus, em 2001, com apoio do Greenpeace e patrocínio do governo do Estado do Amazonas. "O evento chama a atenção para a preservação da floresta", diz o DJ e produtor Carlos "Soul" Slinger, 47. A próxima deve acontecer em outubro.

Ritual coletivo
Multidão, música alta, dança, transe. A necessidade do coletivo faz as raves comparáveis a rituais de tribos e povos antigos. "As raves são um fenômeno coletivo dentro de uma sociedade individualista", afirma o professor Arthur Lara, autor de tese de doutorado na USP sobre tribos urbanas.
"Essa associação de pessoas é como um transe coletivo. A diferença para os rituais é que aqueles eram dirigidos à ancestralidade das tribos, enquanto nas raves a celebração é do aqui e agora."
Para Lara, essa relação -e proximidade- entre raves e rituais se dá até musicalmente. "As raves são levadas por timbres muito altos, as batidas se repetem, há uma perda de referência espacial. A eletrônica de certa forma misturou mantras que tinham sentido antropológico de rito. O lugar do DJ na rave é um lugar de poder."

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