São Paulo, terça-feira, 10 de abril de 2007

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O anarquista da Ópera

Diretor alemão Christoph Schlingensief leva "O Navio Fantasma", de Richard Wagner, ao Festival Amazonas de Ópera; produção prevê projeções de filmes gravados na selva amazônica

IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Na República de Saló, Nosferatu busca a redenção pelas mãos da filha de um pastor evangélico. Esse poderia ser um resumo do impacto visual buscado pelo diretor alemão Christoph Schlingensief em sua produção de "O Navio Fantasma", de Richard Wagner, destaque do 11º Festival Amazonas de Ópera, que acontece entre os dias 20 de abril e 26 de maio, em Manaus.
"Essa locação mitológica era, para mim, um sonho de vida", afirma Schlingensief. "Quero ver o que acontece a Wagner fora da Alemanha. Lá, há experts que acham que sabem tudo sobre o compositor."
Trata-se de uma alusão a Bayreuth, cidade germânica onde, em 1876, foi construído um teatro de acordo com projeto do próprio Wagner, e, desde então, tem lugar um festival com as óperas do compositor, comandado por seus descendentes.
Centro de peregrinação para wagnerianos de todo o planeta, Bayreuth foi o local de estréia de Schlingensief na ópera, em 2004, com "Parsifal".
Deslocando a ação da ópera (originalmente ambientada na Europa medieval) para a Namíbia, o diretor alemão encheu o palco da casa com projeções de vídeos e signos africanos, terminando o espetáculo com o filme de dois coelhos mortos em decomposição.
Pouco antes da estréia, o tenor Endrik Wottrich, encarregado de cantar o papel-título, atacou Schlingensief publicamente. Mas o esperado escândalo não veio: a recepção do público dividiu-se entre vaias e aplausos, e algo semelhante aconteceu com a crítica especializada.
"Hoje eu me dou bem com a família Wagner, mas eles chegaram a se irritar comigo", conta o diretor, nascido em 1960 na cidade de Oberhausen. "Foi uma luta."

Sátira de "reality show"
Projetado, nos anos 80, como um "enfant terrible" que fazia filmes provocativos, Schlingensief teve como mentor o cineasta Werner Nekes, 62, e hoje atua nas áreas do teatro, cinema, televisão e artes plásticas.
Em 2001, concebeu uma sátira de "reality show" chamada "Ausländer Raus" ("fora, estrangeiro"), colocando, no centro de Viena, um contêiner com 20 requerentes de asilo político, que, como no "Big Brother", seriam "eliminados" (no caso, deportados), de acordo com o voto do público.
No mesmo ano, realizou, em Zurique, uma montagem de "Hamlet", de Shakespeare, na qual atores profissionais atuavam ao lado de neonazistas, que, depois da "terapia teatral", supostamente abandonariam sua atuação política.

Procissão de cabeças
A idéia inicial do maestro Luiz Fernando Malheiro, diretor artístico do festival, era realizar a ópera ao ar livre. Isso não será possível. Entretanto, dois dias antes da estréia, Schlingensief encenará uma procissão indo do Teatro Amazonas ao porto de Manaus, na qual planeja ter grandes esculturas de cabeças vindas do Nepal e fotos de artistas de ópera já mortos, enquanto alto-falantes instalados em barcos tocam a música de Wagner.
A ópera propriamente dita prevê projeções de filmes que ele está gravando na selva amazônica e três cenários: o primeiro ato evoca "Saló ou os 120 Dias de Sodoma", filme de Pier Paolo Pasolini ambientado nos estertores do fascismo italiano; o segundo é uma catedral subterrânea, em que fiandeiras fazem bolas de borracha, enquanto o derradeiro traz um navio encalhado.
O protagonista, um pirata holandês condenado a navegar eternamente até encontrar um amor que o redima, está caracterizado como Nosferatu, o vampiro retratado no cinema irmão por Murnau e Herzog. Senta, sua amada, traz um casulo, símbolo da redenção, enquanto Daland, o sogro, é um pastor evangélico.
Para o fim do primeiro ato, Schlingensief tem um "sonho", que ainda não sabe se será viável: fundir uma bateria de escola de samba de cem integrantes com a sonoridade da orquestra wagneriana. "O poder da bateria é uma coisa fantástica. Espero que isso aconteça", diz o diretor alemão.


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