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O anarquista da Ópera
Diretor alemão Christoph Schlingensief leva "O Navio Fantasma", de Richard Wagner, ao Festival Amazonas de Ópera; produção prevê projeções de filmes gravados na selva amazônica
IRINEU FRANCO PERPETUO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Na República de Saló, Nosferatu busca a redenção pelas
mãos da filha de um pastor
evangélico. Esse poderia ser
um resumo do impacto visual
buscado pelo diretor alemão
Christoph Schlingensief em
sua produção de "O Navio Fantasma", de Richard Wagner,
destaque do 11º Festival Amazonas de Ópera, que acontece
entre os dias 20 de abril e 26 de
maio, em Manaus.
"Essa locação mitológica era,
para mim, um sonho de vida",
afirma Schlingensief. "Quero
ver o que acontece a Wagner fora da Alemanha. Lá, há experts
que acham que sabem tudo sobre o compositor."
Trata-se de uma alusão a
Bayreuth, cidade germânica
onde, em 1876, foi construído
um teatro de acordo com projeto do próprio Wagner, e, desde
então, tem lugar um festival
com as óperas do compositor,
comandado por seus descendentes.
Centro de peregrinação para
wagnerianos de todo o planeta,
Bayreuth foi o local de estréia
de Schlingensief na ópera, em
2004, com "Parsifal".
Deslocando a ação da ópera
(originalmente ambientada na
Europa medieval) para a Namíbia, o diretor alemão encheu o
palco da casa com projeções de
vídeos e signos africanos, terminando o espetáculo com o
filme de dois coelhos mortos
em decomposição.
Pouco antes da estréia, o tenor Endrik Wottrich, encarregado de cantar o papel-título,
atacou Schlingensief publicamente. Mas o esperado escândalo não veio: a recepção do público dividiu-se entre vaias e
aplausos, e algo semelhante
aconteceu com a crítica especializada.
"Hoje eu me dou bem com a
família Wagner, mas eles chegaram a se irritar comigo", conta o diretor, nascido em 1960 na
cidade de Oberhausen. "Foi
uma luta."
Sátira de "reality show"
Projetado, nos anos 80, como
um "enfant terrible" que fazia
filmes provocativos, Schlingensief teve como mentor o cineasta Werner Nekes, 62, e hoje
atua nas áreas do teatro, cinema, televisão e artes plásticas.
Em 2001, concebeu uma sátira de "reality show" chamada
"Ausländer Raus" ("fora, estrangeiro"), colocando, no centro de Viena, um contêiner com
20 requerentes de asilo político, que, como no "Big Brother",
seriam "eliminados" (no caso,
deportados), de acordo com o
voto do público.
No mesmo ano, realizou, em
Zurique, uma montagem de
"Hamlet", de Shakespeare, na
qual atores profissionais atuavam ao lado de neonazistas,
que, depois da "terapia teatral",
supostamente abandonariam
sua atuação política.
Procissão de cabeças
A idéia inicial do maestro
Luiz Fernando Malheiro, diretor artístico do festival, era realizar a ópera ao ar livre. Isso não
será possível. Entretanto, dois
dias antes da estréia, Schlingensief encenará uma procissão indo do Teatro Amazonas
ao porto de Manaus, na qual
planeja ter grandes esculturas
de cabeças vindas do Nepal e
fotos de artistas de ópera já
mortos, enquanto alto-falantes
instalados em barcos tocam a
música de Wagner.
A ópera propriamente dita
prevê projeções de filmes que
ele está gravando na selva amazônica e três cenários: o primeiro ato evoca "Saló ou os 120
Dias de Sodoma", filme de Pier
Paolo Pasolini ambientado nos
estertores do fascismo italiano;
o segundo é uma catedral subterrânea, em que fiandeiras fazem bolas de borracha, enquanto o derradeiro traz um
navio encalhado.
O protagonista, um pirata
holandês condenado a navegar
eternamente até encontrar um
amor que o redima, está caracterizado como Nosferatu, o
vampiro retratado no cinema
irmão por Murnau e Herzog.
Senta, sua amada, traz um casulo, símbolo da redenção, enquanto Daland, o sogro, é um
pastor evangélico.
Para o fim do primeiro ato,
Schlingensief tem um "sonho",
que ainda não sabe se será viável: fundir uma bateria de escola de samba de cem integrantes
com a sonoridade da orquestra
wagneriana. "O poder da bateria é uma coisa fantástica. Espero que isso aconteça", diz o
diretor alemão.
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