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ARTIGO
Nostalgia da modernidade
Desde os anos 60, pessoas reclamam que a música popular brasileira não é mais a mesma; mas ela vem melhorando sempre, com muito luxo em meio ao lixo
NELSON MOTTA
COLUNISTA DA FOLHA
Faço muitas palestras
contando e comentando os últimos 50 anos
da música popular brasileira e,
no final, quando respondo a
perguntas do público, uma jamais falta:
"Você não acha que a música
piorou muito de nível nos últimos...".
Basta sacar a faixa etária da
pessoa para completar mentalmente a frase. Se estiver nos 40,
é certo que se queixará de que
não se faz mais música tão boa
como nos anos 80...
Se for mais coroa, reclamará
de que não há mais uma música
de qualidade como a que Chico,
Caetano, Gil e outros mestres
da MPB faziam nos anos 70...
E assim por diante. Já começam a aparecer os que, entrando nos 30, acham que do final
dos anos 90 para cá só se faz
porcaria...
Aliás, ouço essa queixa desde
os anos 60, quando reclamavam que a bossa nova era submúsica e boa mesmo era a dos
anos dourados...
Mas a nossa música popular
não piorou; pelo contrário, vem
melhorando sempre, construindo um fabuloso acervo.
Eles só estão com saudades de
quando eram jovens e modernos, tocados pela imensa capacidade evocativa que tem a música, como trilha sonora de nossas vidas.
Se, em 1970, éramos 90 milhões, mas sem nenhuma tecnologia e sob uma censura esterilizante, e produzimos uma
grande música popular, hoje,
que somos 180 milhões e dispomos de tecnologia farta e barata
e absoluta liberdade de expressão, é razoável supor que estamos produzindo pelo menos o
dobro de músicas de qualidade,
não é?
Ou alguém imagina que desaprendemos a fazer música? Seria tão improvável como não
sabermos mais jogar futebol.
Claro, não é toda hora que aparece um Pelé ou um Tom Jobim, um Zico ou uma Cássia
Eller, mas certamente a quantidade de ótimos jogadores e músicos -dos mais diversos estilos e gerações- se multiplicou
e nos mantém no primeiríssimo mundo da música e da bola.
Os grandes craques são sempre
exceções, em qualquer tempo,
em música e futebol.
É lógico: os grandes talentos
de gerações anteriores continuam produzindo com muita
qualidade, como provam os veteranos João Gilberto, Caetano
Veloso, Chico Buarque ou Djavan. Os que vieram depois, como Lenine, Lulu Santos, Paralamas ou Lobão, continuam
muito criativos, assim como os
que começaram a brilhar nos
anos 90, quando se revelaram
Chico Science e Cássia Eller:
artistas como Marisa Monte,
Ed Motta, Adriana Calcanhotto, Carlinhos Brown, Marcelo
D2, Ivete Sangalo, Bebel Gilberto, Maria Rita, Vanessa da
Mata, Roberta Sá -a lista cresce a cada dia, a cada clique do
mouse.
Luxo e lixo
É justamente esse o problema: é tão vasta a oferta, são tantos os gêneros, os subgêneros e
as fusões em que se multiplicaram a música e o gosto popular,
que é muito mais difícil encontrar as de real qualidade dentro
de tanto lixo barulhento.
Mas isso não é novidade: desde os anos dourados, a maioria
absoluta da produção musical é
puro lixo, como hoje em dia. A
diferença é só na escala: de lixo
e de luxo. O que vale a pena são
sempre aqueles 10% que fazem
a história da música popular de
um país e sobrevivem como a
trilha sonora de nossa memória
coletiva e pessoal.
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