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CINEMA
Filme ambientado na Londres de 1748 conta a história de dois ladrões que se conhecem na prisão de Newgate
"Plunkett & Macleane" é século 18 hoje
SYLVIA COLOMBO
de Londres
O submundo é atemporal.
"Plunkett & Macleane", comédia
estrelada pela dupla de atores Robert Carlyle e Johnny Lee Miller
(de "Trainspotting"), que acaba de
estrear no Reino Unido, usa o cenário do século 18 inglês para contar uma aventura em um formato
de entretenimento dos anos 90:
edição de videoclipe, trilha sonora
eletrônica, gírias e enredo romântico banal e despretensioso.
O filme se passa numa época em
que o conceito de submundo urbano que conhecemos está justamente sendo configurado. O ano é
1748. Estamos às vésperas da Revolução Industrial, na Inglaterra;
as cidades crescem e, com elas, os
problemas sociais, a fome, a pobreza e a segregação dos excluídos.
É deste cancro da sociedade que
emergem os dois heróis da aventura. Will Plunkett (Carlyle) e James
Macleane (Miller) se encontram
em um mesmo destino: os porões
da temida prisão de Newgate.
O cárcere foi o celeiro de degredados que o Reino Unido enviou à
América do Norte no período colonial. Daniel Defoe (1660-1731),
autor de "Robinson Crusoé", também usou a cadeia para forjar a sua
"Moll Flanders".
Em Newgate, Plunkett e Macleane selam um pacto e dali saem para
barbarizar e assaltar a nobreza,
mascarados e num galope marcado pelo ritmo da música tecno.
Isso mesmo, música tecno. O diretor da produção, Jake Scott, 33,
(filho de Ridley Scott, de "Blade
Runner") imprimiu ao filme uma
edição moderna, identificada com
a linguagem publicitária. A edição
tem cortes rápidos, marcados por
um baque sonoro ou por mudanças bruscas de cena. Abusa de metonímias e do zoom em imperfeições faciais dos atores (como a arcada dentária de Carlyle).
Também como a personagem
Moll Flanders, o sonho é arrecadar
dinheiro e partir para a América,
terra prometida, onde poderiam se
transformar em "gentlemen" (cavalheiros).
O interesse mútuo se desconecta
quando Macleane conhece Lady
Rebecca Gibson (Liv Tyler) num
assalto dos dois ao tio da moça. Ela
passa a sonhar com o homem mascarado e a colecionar reportagens
de jornal sobre os bandidos, até
descobrir sua real identidade.
As semelhanças com a peça "The
Beggar's Opera", do poeta inglês
John Gay (1685-1732) se desvelam
a cada cena. No popular texto do
século 18, também uma mulher se
apaixona por um "highwayman",
um assaltante de beira de estrada.
Mas "Plunkett & Macleane" não
é um romance histórico e nem pretende ser mais do que simples entretenimento. Quem imaginar que
terá uma aula sobre costumes do
período georgiano vai se decepcionar. Erros históricos e anacronismos de linguagem e postura saltam aos olhos: a tatuagem moderna que Miller exibe numa cena de
sexo, as gírias e palavrões do século 20 nas vozes de velhos bêbados
em tavernas e até uma reclamação
sobre o mau hálito (numa época
em que isso devia ser regra e não
exceção entre a população).
Mas o diretor Jake Scott explora
em imagens fortes as cores daquele
tempo: a lama dos cemitérios de
indigentes, as tramas e nós da corda do enforcado, a lâmina do barbeiro de rua, o buraco da carabina,
o sangue saindo das vísceras dos
feridos, e por aí vai.
Mas como é que o engajado Robert Carlyle, das tramas políticas
de Ken Loach, foi parar num filme
de sábado à noite? O próprio ator
admite que, nas entrelinhas de seu
personagem, há uma questão de
classe. Plunkett é o pobre ladrão
com honra e coragem, e ensina isso ao vaidoso companheiro, mais
interessado em comprar roupas e
conquistar mulheres da sociedade.
O assalto à nobreza que os dois
imprimem o tempo todo satiriza
os símbolos da mesma (a doença
venérea da mulher rica, o cálice de
bebida que o nobre saboreia antes
de cair morto). O filme descortina,
casualmente até, contendas latentes da época. A Londres que cresce
desordenadamente, e que cria no
seu porão uma horda de desclassificados, inspirou neste período
outras obras, além dos textos citados de John Gay e Daniel Defoe.
São dessa época as telas de William Hogarth (1697-1764), cheias
de conteúdo político e moralista, e
os romances de Henry Fielding
(1707-1754). Preocupado com o
problema do consumo de bebida
entre a população mais pobre,
Fielding observava que, se esta
continuasse a se espalhar, logo não
haveria mais quem a bebesse em
toda a Inglaterra.
Num tempo em que todo o filme
inglês quer "ser "Trainspotting"" e
sobram produções com violência,
música pop e submundo urbano,
"Plunkett & Macleane", talvez até
sem querer, se apropria, com um
resultado positivo, de recursos
usados pelos escritores populares
do século 18, que é seu cenário, para atingir o objetivo.
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