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"O HOMEM DUPLICADO"
Escritor polêmico diz que está para nascer o dia em que vai se calar
Saramago faz palestra em SP
IVAN FINOTTI
DA REPORTAGEM LOCAL
No retângulo que forma a janela do hotel cinco estrelas às
costas do homem sentado à poltrona vê-se a marginal do rio Pinheiros e o engorgitamento da
circulação automóvel, ou engarrafamento, se quisermos usar o
termo corrente. O homem sentado chama-se José de Souza Saramago, nasceu na aldeia de
Azinhaga, em Portugal, foi serralheiro, mecânico, desenhista
industrial, funcionário público,
editor, tradutor e jornalista, é escritor de profissão e tem oitenta
anos, posto que à vista pareça
menos idoso. Não está listado
no rol das profissões deste homem, mas uma de suas atribuições mais frequentes tem sido a
de criar controvérsias. A última
delas começa assim, Até aqui
cheguei, de agora em diante,
Cuba seguirá seu caminho, e eu
fico onde estou. O homem não
quer debater o tema, dado que
já disse o que pensava, mas anui
em explicar por que só no ano
de dois mil e três rompeu publicamente com o regime de Fidel
Castro, Não, não considero a repressão um mal necessário,
também não é fácil explicar o silêncio, pode-se considerar talvez, enfim, que a política obriga
a muita coisa, que não é sempre
limpa, não é sempre justa. Essas
polêmicas geralmente lhe terminam caras e a razão é que o
homem, por ser escritor, fará
sua voz chegar mais longe. O fato de que venceu o prêmio Nobel de Literatura em mil novecentos e noventa e oito concede
ainda mais abrangência a essas
opiniões. Pois uma delas custou-lhe a pátria, quando o governo português censurou "O
Evangelho Segundo Jesus Cristo", em mil novecentos e noventa e dois, o homem abandonou a
nação e foi morar na ilhota de
Lanzarote, espanhola e vulcânica perdida no meio do Atlântico. Por outra idéia, mais recente, viu as vendas de seus livros
despencarem em Israel, quando
disse que o espírito de Auschwitz estava presente em Ramallah, Eu era o escritor estrangeiro mais lido em Israel, basta dizer que o romance que tinha publicado pouco antes, "Todos os
Nomes", tinha vendido em um
mês três mil exemplares, e no
mês seguinte ainda se encontraram duzentos e trinta heróis que
foram às livrarias comprá-lo.
Mas, o que vai se fazer?, o homem sentado à poltrona com o
retângulo às costas aprecia os
embates e opina sobre o que lhe
dá na telha, Ainda está por nascer o dia em que eu calo o que
estou a pensar.
Promessa é promessa, realidade é realidade, mas não acho
que ele tenha se desviado do caminho. Essas opiniões já são sobre outros objetos, o governo de
Luiz Inácio da Silva e o Brasil. É
por uma palestra sobre sua última obra, "O Homem Duplicado", que o notável escritor chegou mais uma vez a este país, e
ela vai ter lugar na rua Orobó
duzentos e setenta e sete, onde
está o teatro do Colégio Santa
Cruz, às vinte horas da próxima
segunda-feira. Mas essas informações pouco ou de nada importam, já que quem conseguiu
o convite gratuito tem o endereço e a data nele impressos, e
quem não o obteve, não poderá
comparecer, dado que os seiscentos ingressos foram esgotados em um dia e meio, anteontem. Sobre o Brasil, o homem de
oitenta anos tem ainda algumas
preferências e sugestões a fazer,
Para estar contente não tem que
ter uma data especial, por isso
não comemoro aniversários e
não gosto do Carnaval que quer
obrigar todos a estarem felicíssimos naquele dia. Mas Saramago
não é assim tão casmurro e elogia, com ressalvas, outro produto nacional, Gosto de algo que
vocês têm, mas que não sabem
aproveitar, cometem o erro, do
meu ponto de vista gravíssimo,
de porem demasiado açúcar no
guaraná, o refrigerante é demasiado doce, tirem uma parte do
açúcar e já verão se o guaraná
não é uma bebida muito mais
saborosa do que qualquer coca-cola, e ele não chega em Lanzarote, mas eu durante muito tempo tomei o guaraná em pó, e
agora que estou a falar disso, estou a perguntar a mim mesmo
por que eu o deixei, talvez há
uns dois anos ou três, e nesse
momento estou a decidir que
vou voltar ao guaraná, Em pó.
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