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MARCELO COELHO
Celulares explosivos, idéias nem tanto
Considero-me um razoável respondedor de e-mails,
mas tenho cada vez mais preguiça com recados no telefone fixo e
sou uma nulidade no uso do celular. Mal conheço a senha para tirar as mensagens lá de dentro e,
pelo que vejo, meu aparelho é forte candidato a uma dessas explosões que têm acontecido ultimamente.
Sou dos que deixam o celular
carregando o tempo todo, o que
segundo a Folha de domingo é fator de risco para o usuário. Mas
como fazer diferente? Basta eu ligar que já vem o aviso: carga baixa da bateria. Imagino, pelo menos, que de tão fraca a voltagem
não haverá de ser violenta a explosão.
E, como todo mundo, não disponho em casa de um número suficiente de tomadas. Um serpentário de fios busca em poucos benjamins seu alimento. Isso, dizem
os especialistas, também deixa o
celular meio nervosinho.
Pinóquio não primava pela responsabilidade nos compromissos
assumidos, mas seu Grilo Falante,
de cartola e guarda-chuva, conhecia as virtudes da polidez e da
adequação. Não tomava a palavra antes de um minúsculo pigarro de advertência.
Inseto mutante, o celular está
para o grilo de Pinóquio um pouco como a guitarra elétrica para o
antigo violão. Adota os tons mais
estridentes, descabelados e imperativos, a que as pessoas obedecem numa coreografia alucinada.
A pose mais estudada da grã-fina
se estilhaça em aflição e pânico
enquanto ela remexe na bolsa à
procura do aparelho; o taxista
mais inerte e distraído pula ao
menor toque, como se tivesse uma
aranha dentro do carro. E nem se
sabia que aquilo era carregado de
dinamite.
Definitivamente, prefiro o e-mail, cerimonioso, sedentário e
reflexivo. As menores inflexões de
um texto traduzem movimentos
de amuo ou simpatia, delicadeza
ou apreensão. Respondo quando
quiser; mas respondo sempre, ou
quase sempre.
Por isso mesmo não me conformo quando as pessoas ignoram os
e-mails que envio. Já estão ali
mesmo, na frente do computador... o que custa? Passei a usar
uma "ferramenta", como dizem
no Outlook, que julgo das mais
antipáticas -"acusar recebimento de mensagem". Mas não
adianta muito. Ofendido, o destinatário pode clicar que sim, e daí
fechar-se em silêncio para sempre; ou que não, mandando-me
uma soberaníssima e discreta
"banana" eletrônica.
Mas não tenho moral para reclamar. Se não dou bola para os
recados que me deixam no telefone explosivo, cumpre-me entender quem despreza meus e-mails.
Talvez a humanidade se divida
mesmo entre "outlookistas" e "celulantes", entre "móveis" e "fixos", adeptos do escrito ou do falado, do lento ou do imediato.
Com um elemento complicador,
trazido pela tecnologia recente:
com os palm-tops e coisas do gênero, é perfeitamente possível aos
membros da família "móvel" ler
os seus e-mails em trânsito, deixando-os para responder depois,
isto é, nunca.
Não prossigo nesse campo, estrangeiro para mim. Queria na
verdade falar de outro assunto,
embora correlato. Tenho ouvido
de professores, psicanalistas e intelectuais em geral uma queixa
constante, que faz do desleixo
com e-mails algo como a ponta de
um iceberg.
É mais ou menos assim. Pedem
para a pessoa um artigo ou convidam-na para um debate; precisam com urgência de um parecer,
de uma colaboração num livro. O
professor responde, entrega o texto, cumpre com o que tinha de fazer.
E, então, nada acontece. O livro
não sai, o artigo é recebido sem
comentário, a mesa-redonda até
que se realiza, mas cada participante disse coisas totalmente
alheias ao tema proposto, que
aliás era dos mais vagos, ninguém
ouviu o que o outro disse e o público fez perguntas que não tinham nada a ver.
Algum tempo depois, estará
sendo organizada uma outra semana disso ou daquilo, uma outra jornada assim ou assado, um
novo número da revista tal ou
qual, e-mails serão trocados, papéis serão preenchidos, cadeiras
serão ocupadas, e as mesas-redondas continuarão, girando, como tudo, no vazio.
Haveria assim um fenômeno de
"falta de resposta" que vai além
da simples etiqueta eletrônica.
Imagino se não passa a existir, no
mundo intelectual e acadêmico, a
mesma febre dos "eventos" que
toma conta da área empresarial e
cultural mais ampla.
No filme "O Príncipe", de Ugo
Giorgetti, um personagem oportunista comemorava o fato de a
cultura ter virado bom negócio no
país: o segredo, dizia ele, era "promover eventos". Mesmo sem virar
bom negócio, também na área da
produção intelectual a mesma
coisa parece acontecer.
Não importa o que foi dito no
seminário, mas que o seminário
tenha sido feito. Não importa que
tal revista seja lida, mas que seu
novo número saia no prazo previsto. Há livros que não são propriamente livros, mas "livros-evento", com autores no papel de
convidados.
Basta ver, aliás, a Bienal do Livro para perguntar se o número
dos visitantes que atrai não é
maior que o de leitores que conquista; e mesmo a Flip, de que só
ouço falar bem, responde a uma
vocação gregária que me custa a
conciliar com a experiência individual da leitura.
O espetáculo -ou o cumprimento de alguma meta burocrática na universidade- substitui,
em certa medida, o debate de
idéias. Também, pudera: que
idéias? Num círculo vicioso, as
pessoas são instadas a contribuir
com mais produtos, textos e falas
do que as teses que teriam a propor; não dispõem de tempo para
novas leituras nem para rever o
que já pensaram.
Será exagero meu? No Congresso Tal e Tal, um conferencista toma a palavra, ocupa o tempo, termina deixando em aberto questões que mal definiu. Na platéia, o
silêncio é completo.
Não. Corrijo-me. Está tocando
um celular.
@ - coelhofsp@uol.com.br
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