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O encenador leva seu jovem elenco à Turquia para estrear a adaptação de "As Troianas", num libelo contra o horror dos conflitos do século 20
Antunes Filho vai à guerra com "Fragmentos Troianos"
NELSON DE SÁ
da Reportagem Local
Sabrina Greve, 21, fez um curso
de interpretação aqui, outro ali, e
entrou para o Centro de Pesquisa
Teatral, CPT. Cerca de um ano
atrás, criou uma cena "realista" ao
lado de Luiz Päetow, 22, num quadro curto -como aqueles que ainda estão em cartaz em "Prêt-à-Porter", em São Paulo. Antunes Filho
estava na "platéia" da pequena sala
de ensaios do CPT.
Viu, fez observações críticas, sobretudo a Päetow, que acabou virando seu assistente de direção.
Mas Antunes não conseguiu, embora tenha tentado, ele que se diz
contra elogiar jovens excessivamente, esconder o quanto gostou
de Sabrina Greve.
A atriz saiu daquela cena para ser
uma das protagonistas, Andrômaca, de "Fragmentos Troianos". A
peça é um libelo contra a guerra
que Antunes Filho e companhia
mostram em estréia mundial no
próximo dia 2, em Istambul, na
Turquia -de lá, seguem para o Japão, onde se apresentam no dia 11,
e voltam ao Brasil, onde ainda não
têm data de estréia.
O grupo Macunaíma, do encenador e seus jovens intérpretes, em
grande parte estreantes no palco,
estará em Istambul, a poucas centenas de quilômetros do cenário da
guerra da Iugoslávia, com uma peça que retrata a miséria, o horror
de todas as guerras.
"Fragmentos" mostra a humilhação extrema dos derrotados, no
caso, das mulheres troianas viúvas
e seus filhos órfãos, nas mãos dos
guerreiros gregos vitoriosos, como
descreve a tragédia do pacifista Eurípides (c. 485-407 a.C.).
Mas poderiam muito bem ser (e
a encenação cuida de evidenciar a
semelhança) os kosovares muçulmanos expulsos pelos sérvios ortodoxos, como poderiam ser (o que a
encenação também evidencia) os
sérvios atingidos pelos norte-americanos da Otan.
A montagem de "As Troianas", o
título original da tragédia, que é
chamada de "Fragmentos" pelos
cortes feitos e alguns acréscimos
(de Jean-Paul Sartre, do próprio
Eurípides), começou muito antes
da guerra da Iugoslávia. E começou antes, aliás, do próprio convite
do 11º Festival Internacional de
Teatro de Istambul.
No entender de Antunes, o espetáculo começou com o choque das
imagens de tragédias brasileiras,
como a chacina dos meninos da
Candelária, em 93, e o massacre
dos sem-terra em Eldorado dos
Carajás, em 96. A partir daí, a peça
se desenvolveu como síntese dos
horrores do século 20.
Estão todos lá, de um jeito ou de
outro, em "Fragmentos", embora a
guerra da Iugoslávia chame mais
atenção. Em especial no cenário,
no telão de fundo criado por Juvenal Irene dos Santos, com a imagem de Palas Atena, a deusa aliada
dos gregos para a Guerra de Tróia
-e em tudo semelhante à estátua
da Liberdade, até por ser sua inspiração. Mas uma estátua que estende um manto de morte.
Nos figurinos e demais elementos da cenografia, inspirados que
foram em cenas do Holocausto e
da Segunda Guerra, a visão está
mais ligada, por outro lado, às
imagens da "limpeza étnica" dos
kosovares pelos sérvios.
Geração
Para Istambul vai todo um elenco muito jovem, de certa maneira
encabeçado por Gabriela Flores,
24, que faz Hécuba.
A atriz também chamou a atenção do diretor numa cena "realista", das muitas que o elenco do
CPT apresenta semanalmente, na
pequena sala de ensaios. A cena foi
levada ao palco na peça de quadros
"Prêt-à-Porter", que é apresentada
todo sábado no hall de convivência
do Sesc Consolação.
Gabriela, Sabrina Greve e Luiz
Päetow, ao lado de cenógrafas como Jacqueline Ozelo, 30, formam a
linha de frente de uma nova geração de artistas de teatro criada sob
as asas de Antunes Filho, no Centro de Pesquisa Teatral. Eles descrevem os meses de ensaio com
humor e algum temor.
"A gente ficou improvisando
meses", diz Gabriela.
"Criando cenas", diz Sabrina.
"Ele passava pela sala, escutava
alguma coisa e depois falava: "Não
é nada disso'", diz Gabriela.
"Ele via as cenas no final e destruía tudo", diz Sabrina.
Foram seis meses criando cenas
-sem palavras- a partir de fotos
de campo de concentração e dos
sem-terra, entre outras, num trabalho semelhante ao que levou a
"Prêt-à-Porter". Quando chegou o
texto, que foi adaptado pelo diretor, as melhores cenas se mesclaram aos poucos à trama.
Antunes Filho se recusa a falar
dos artistas que já deixaram o CPT
e o grupo Macunaíma para carreiras de repercussão. Questionado
sobre a saída do ator Luis Melo para a TV, por exemplo, diz apenas
que ele, Antunes, não mudou a sua
visão ética do assunto.
Sempre insistindo que desde
"Prêt-à-Porter" seu trabalho mudou, o diretor só quer falar de seus
jovens artistas. Do que fez para
torná-los desenvoltos não apenas
nas técnicas de interpretação, mas
também na ética e até na retórica.
Gabriela, Sabrina, Luiz, Jacqueline
e outros, de fato, dão entrevistas e
argumentam com o domínio de
artistas experientes.
Discorrem sobre a "nova retórica", movimento surgido nos anos
50, com largo conhecimento. Planejam formar, eles próprios, a partir do CPT, toda uma nova dramaturgia brasileira. Para não falar de
seu conhecimento dos Bálcãs, eles
que estão para embarcar para bem
perto do palco da guerra.
Resumo
Em tempo: "Fragmentos", que
elimina alguns personagens de "As
Troianas", como Helena, concentra-se no destino trágico de Hécuba, viúva do rei Príamo, e Andrômaca, viúva do herói Heitor, terminada a guerra. As mulheres estão nas mãos dos gregos, que decidem o que fazer delas.
Uma das filhas de Hécuba, Polixena, é assassinada em ritual. Andrômaca, que traz o filho de Heitor, tem a criança levada para fora
de cena e jogada viva do alto das
muralhas de Tróia. O corpo é entregue, Tróia é incendiada, e Hécuba, Andrômaca e as troianas são
tomadas como escravas.
"Eu quero que a última cena seja
um feliz Ano Novo para o próximo
século", diz Antunes. "Todos os
deserdados, as viúvas, os órfãos,
esse resumo do nosso século."
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