|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Reunião de 11 peças mostra face comediógrafa do romancista carioca
O palco de Machado
VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Crítico teatral implacável, Machado de Assis (1839-1908) também verteu sua pena para a dramaturgia. Ele escreveu mais peças
na juventude, de 1859 (com 20
anos) até 1867, mas o teatro também colheu frutos do romancista
maduro. Não à toa, sua peça mais
elogiada é "Lição de Botânica",
que veio à luz cerca de três anos
antes de sua morte.
"Lição de Botânica" encerra o livro "Teatro de Machado de Assis", organizado por José Roberto Faria para a coleção Dramaturgos do Brasil, coordenada pelo próprio. Este é o quinto volume, lançado agora pela editora Martins Fontes junto com o quarto, "Antologia de Comédia de Costumes", organizado por Flávio Aguiar. Ambos os organizadores são professores de literatura brasileira na USP.
"Teatro de Machado de Assis" expõe, em 11 peças, um comediógrafo de mão cheia. São enredos simples que colocam em cena
tanto o amor sincero e os bons
sentimentos quanto a sátira a certos tipos e costumes sociais e políticos de seu tempo.
"Antologia de Comédia de Costumes" reúne textos de Artur
Azevedo (1855-1908); Martins Pena (1815-1848); Joaquim Manuel
de Macedo (1820-1882) e França
Júnior (1838-1890). Leia ao lado.
Segundo Aguiar, a intenção é
percorrer o tempo da criação cômica brasileira no século 19 desde
seu começo, quando a sociedade
brasileira recém havia adquirido a
independência e ainda consolidava a unidade nacional, até o momento em que, já no período republicano, a comédia espelhava a
complexa vida urbana da capital
do país (então Rio de Janeiro).
Vivendo atualmente na França,
onde segue os estudos em que relaciona a história da produção local com o teatro brasileiro do século 19 e das duas primeiras décadas do século 20, Faria respondeu à Folha, por e-mail, sobre o "Teatro de Machado de Assis".
Folha - Em que medida o comediógrafo nutriu o romancista e contista Machado de Assis?
João Roberto Faria - Machado
escreveu a maior das suas comédias antes dos 30 anos de idade,
num período em que foi também
crítico teatral, censor do Conservatório Dramático e tradutor de
várias peças francesas. Ou seja, o
seu envolvimento com o teatro
não pode ser esquecido, quando
se pensa em sua formação como
escritor. Creio que Machado
aprendeu no teatro -escrevendo
peças, lendo, vendo espetáculos,
traduzindo ou fazendo críticas-
duas técnicas fundamentais para
seus contos e romances: a entrada
e a saída dos personagens na
construção das cenas e, sobretudo, os diálogos, que são absolutamente notáveis, em romances como "Dom Casmurro" ou contos
como "Teoria do Medalhão".
Há outros aspectos das peças
que aparecem nas narrativas: o
humor e a ironia, essa arma terrível que nosso escritor manipula
como ninguém. Por fim, lembro
ainda as personagens femininas e
seu poder de fascinar e dominar
os homens. Em estado embrionário, pelo menos, as peças já anunciam as mulheres que sabem como se impor aos homens com seu
charme, inteligência e beleza. Mas
não percamos de vista as proporções. Machado não quis escrever
peças com o mesmo alcance crítico, com a mesma densidade com
que escreveu seus melhores romances e contos, nos quais, como
nenhum outro escritor brasileiro,
fez a análise da natureza humana
e dos mecanismos sociais do seu
tempo. O teatro foi, para ele, um
gênero em que praticou a leveza, a
vivacidade do estilo e a poesia dos
sentimentos.
Folha - Quais são os traços comuns dessas comédias?
Faria - De um modo geral, se excetuarmos "Uma Ode de Anacreonte" e "Tu Só, Tu, Puro Amor", as outras comédias de
Machado se passam no Rio de Janeiro do seu tempo e trazem para
a cena personagens que representam a burguesia emergente na segunda metade do século 19. Por isso, tanto os homens quanto as
mulheres são quase sempre ricos
e refinados, inteligentes e espirituosos, algumas vezes cínicos e
maliciosos, características que são
percebidas quando dialogam.
TEATRO DE MACHADO DE ASSIS - Org.
de João Roberto Faria. Editora: Martins
Fontes. Quanto: R$ 59,80 (654 págs.).
ANTOLOGIA DE COMÉDIA DE
COSTUMES - Org. de Flávio Aguiar.
Editora: Martins Fontes. Quanto: R$
59,80 (604 págs.).
Texto Anterior: Bernardo Carvalho: "Não me toques" Próximo Texto: Trecho Índice
|