UOL


São Paulo, terça-feira, 10 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Reunião de 11 peças mostra face comediógrafa do romancista carioca

O palco de Machado

VALMIR SANTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Crítico teatral implacável, Machado de Assis (1839-1908) também verteu sua pena para a dramaturgia. Ele escreveu mais peças na juventude, de 1859 (com 20 anos) até 1867, mas o teatro também colheu frutos do romancista maduro. Não à toa, sua peça mais elogiada é "Lição de Botânica", que veio à luz cerca de três anos antes de sua morte.
"Lição de Botânica" encerra o livro "Teatro de Machado de Assis", organizado por José Roberto Faria para a coleção Dramaturgos do Brasil, coordenada pelo próprio. Este é o quinto volume, lançado agora pela editora Martins Fontes junto com o quarto, "Antologia de Comédia de Costumes", organizado por Flávio Aguiar. Ambos os organizadores são professores de literatura brasileira na USP.
"Teatro de Machado de Assis" expõe, em 11 peças, um comediógrafo de mão cheia. São enredos simples que colocam em cena tanto o amor sincero e os bons sentimentos quanto a sátira a certos tipos e costumes sociais e políticos de seu tempo.
"Antologia de Comédia de Costumes" reúne textos de Artur Azevedo (1855-1908); Martins Pena (1815-1848); Joaquim Manuel de Macedo (1820-1882) e França Júnior (1838-1890). Leia ao lado.
Segundo Aguiar, a intenção é percorrer o tempo da criação cômica brasileira no século 19 desde seu começo, quando a sociedade brasileira recém havia adquirido a independência e ainda consolidava a unidade nacional, até o momento em que, já no período republicano, a comédia espelhava a complexa vida urbana da capital do país (então Rio de Janeiro).
Vivendo atualmente na França, onde segue os estudos em que relaciona a história da produção local com o teatro brasileiro do século 19 e das duas primeiras décadas do século 20, Faria respondeu à Folha, por e-mail, sobre o "Teatro de Machado de Assis".
 

Folha - Em que medida o comediógrafo nutriu o romancista e contista Machado de Assis?
João Roberto Faria -
Machado escreveu a maior das suas comédias antes dos 30 anos de idade, num período em que foi também crítico teatral, censor do Conservatório Dramático e tradutor de várias peças francesas. Ou seja, o seu envolvimento com o teatro não pode ser esquecido, quando se pensa em sua formação como escritor. Creio que Machado aprendeu no teatro -escrevendo peças, lendo, vendo espetáculos, traduzindo ou fazendo críticas- duas técnicas fundamentais para seus contos e romances: a entrada e a saída dos personagens na construção das cenas e, sobretudo, os diálogos, que são absolutamente notáveis, em romances como "Dom Casmurro" ou contos como "Teoria do Medalhão".
Há outros aspectos das peças que aparecem nas narrativas: o humor e a ironia, essa arma terrível que nosso escritor manipula como ninguém. Por fim, lembro ainda as personagens femininas e seu poder de fascinar e dominar os homens. Em estado embrionário, pelo menos, as peças já anunciam as mulheres que sabem como se impor aos homens com seu charme, inteligência e beleza. Mas não percamos de vista as proporções. Machado não quis escrever peças com o mesmo alcance crítico, com a mesma densidade com que escreveu seus melhores romances e contos, nos quais, como nenhum outro escritor brasileiro, fez a análise da natureza humana e dos mecanismos sociais do seu tempo. O teatro foi, para ele, um gênero em que praticou a leveza, a vivacidade do estilo e a poesia dos sentimentos.

Folha - Quais são os traços comuns dessas comédias?
Faria -
De um modo geral, se excetuarmos "Uma Ode de Anacreonte" e "Tu Só, Tu, Puro Amor", as outras comédias de Machado se passam no Rio de Janeiro do seu tempo e trazem para a cena personagens que representam a burguesia emergente na segunda metade do século 19. Por isso, tanto os homens quanto as mulheres são quase sempre ricos e refinados, inteligentes e espirituosos, algumas vezes cínicos e maliciosos, características que são percebidas quando dialogam.


TEATRO DE MACHADO DE ASSIS - Org. de João Roberto Faria. Editora: Martins Fontes. Quanto: R$ 59,80 (654 págs.).

ANTOLOGIA DE COMÉDIA DE COSTUMES - Org. de Flávio Aguiar. Editora: Martins Fontes. Quanto: R$ 59,80 (604 págs.).



Texto Anterior: Bernardo Carvalho: "Não me toques"
Próximo Texto: Trecho
Índice

UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.