São Paulo, sexta-feira, 10 de junho de 2005

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"CLEAN"

Em longa, Olivier Assayas foca na contemporaneidade ao construir painel sobre a reconstrução da vida de personagens

Câmera ganha vida em filme sobre pais e filhos

CLAUDIO SZYNKIER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Olivier Assayas tem um trabalho calibrado na contemporaneidade. O olhar desse francês é refinado e pouco conhecido no Brasil. Em "Clean" ele está no terreno do showbizz. Temos Emily, cujo marido, Lee, roqueiro, morre de overdose. Ela é viciada e se trata: quer voltar a ter o filho, Jay, criado pelos pais do marido.
"Clean" gera encanto no modo como a câmera, flutuante, é conduzida, com profundo senso rítmico. Assayas assim nos leva a uma espécie de passeio, nada gratuito. O que a câmera está fazendo é procurar o passo dos personagens. Fluir segundo o movimento de vida deles e por esse movimento se contaminar.
Assim ela se torna um dispositivo animado. Desloca-se com consciência territorial e respiração, acompanha os corpos, se infiltra e sente os lugares em que eles se integram. Nisso, Assayas costura seu realismo. Um novo realismo, diga-se: essa câmera também se nutre da beleza estéril e da artificialidade de um novo projeto urbano. Digere e é digerida pelo revestimento colorido e frio de arquitetura e lazeres noturnos modernos em Paris. Tudo para que notemos um batimento de vida atual, vivido pelos personagens.
Para que isso tudo? Assayas, nessa cadência, engendra um painel sobre a reconstrução da vida dessas pessoas. Só é possível perceber esse painel se configurando, a extensão dos sentimentos que afloram, com esse idioma de cinema.
Do painel calcado em uma linguagem de câmera atual e em diálogo com estatutos culturais contemporâneos vão aflorar temas e pulsões atemporais. Ambigüidade das melhores.
Tudo em "Clean" converge para a família e as relações de casa. Emily deixou Jay com os sogros para viver o inebriante mundo do rock. Há os pais de Lee, que, em algum momento, perderam o bonde. Não o identificam, por exemplo, em fotos de discos. Compensam tentando de novo, na criação do neto.
"Clean", um filme sobre gerar, amar e as responsabilidades que aqui orbitam, rastreia esse fluxo misterioso que é o crescer dos filhos, numa química de ternura e rispidez, intensidade afetiva e estranhamento. Os sogros deixaram de conhecer Lee, Emily e Jay mal se conhecem, mas todos têm amor uns pelos outros.


Clean
Clean
    
Direção: Olivier Assayas
Produção: Canadá/França/Inglaterra, 2004
Com: Maggie Cheung, Nick Nolte
Quando: a partir de hoje nos cines Bristol, Cineclube Vitrine, Frei Caneca Unibanco Arteplex e circuito


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