São Paulo, sábado, 10 de junho de 2006

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Estudo mapeia imagem eurocêntrica

Em livro, Robert Stam e Ella Shohat analisam presença desse discurso no cinema e na cultura de massa

SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

Multiculturalismo é termo razoavelmente invocado hoje, e não apenas nos debates intelectuais, para caracterizar abordagem mais saudável e responsável na compreensão de um mundo de diferenças e diferentes. Entrou na cartilha do homem contemporâneo como um mantra, mas envolve conceitos e conexões que vão muito além do senso comum. Em "Crítica da Imagem Eurocêntrica - Multiculturalismo e Representação", Robert Stam e Ella Shohat cuidam desse mapeamento ao organizar, com rigor acadêmico, a reflexão em torno das manifestações do "discurso eurocêntrico" na cultura popular e das estratégias usadas para questioná-lo.
"Tenho a impressão de que venho falando disso a vida inteira", disse Stam em entrevista à Folha, no final de maio, quando concluía mais uma temporada de pesquisas no Brasil. Nascido em Nova Jersey ("a Niterói de Nova York"), morou na África e na Europa, e foi casado com uma brasileira, com quem teve um filho.
Desde cedo, afirma ele, as experiências pessoais e familiares -um dos irmãos mais velhos, que vive na América Central, é ligado à Teologia da Libertação- o levaram a uma rota de contestação precoce das visões colonialista e imperialista. Sua obra, que inclui "Literatura e Cinema", "O Espetáculo Interrompido" e "Bakhtin", tem as marcas desse percurso... multiculturalista?
Sim, desde que se calibre o sentido do termo. No livro, que integra uma série "em progresso" dedicada por Stam e Shohat ao tema, configura-se "um campo interdisciplinar que tem adquirido importância crescente, mas que foi mal definido", e que os autores gostariam de chamar de "estudos multiculturais dos meios de comunicação".
Stam diz lamentar que, em geral, seus livros sejam vistos mais como obras sobre cinema quando, argumenta ele, usam o audiovisual, entre outros produtos culturais, para examinar mecanismos de representação. A ligeira confusão tem razão de ser: excelente "leitor" de filmes, ele sempre ensina, em primeiro lugar, como usar ferramentas diversas para interpretá-los.
Em "Crítica da Imagem Eurocêntrica", o vasto repertório vai de longas sobre a "descoberta" da América, como "Colombo: A Descoberta" e "1492: A Conquista do Paraíso", eurocêntricos até o último fotograma, a representações colonialistas clássicas ("Entre Dois Amores", a trilogia Indiana Jones) e a contestações do modelo dominante, como "A Batalha de Argel" e "Terra em Transe".
Não espere por simplificações. O discurso eurocêntrico, lembram os autores, é "complexo, contraditório e historicamente instável", fruto de "tendências ou operações intelectuais que se reforçam mutuamente" e que "purificam a história ocidental", enquanto tratam com "condescendência, ou mesmo com horror, o não-ocidental". Mais do que a uma "atitude política consciente", levaria a um "posicionamento implícito". Na perspectiva multiculturalista de Stam e Shohat, as conexões do fenômeno com o colonialismo são antigas, e a discussão deve se basear "em uma longa história de múltiplas opressões específicas". O livro vai fundo. E vai longe.


CRÍTICA DA IMAGEM EUROCÊNTRICA     
Autor: Robert Stam e Ella Shohat
Tradução: Marcos Soares
Editora: Cosacnaify
Quanto: R$ 69 (536 págs.)


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