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FERREIRA GULLAR
Exclusão social, o que é isso?
Por que considerar "excluídos" aqueles que nunca estiveram de fato "incluídos"?
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DE ALGUM tempo para cá, a
parte da sociedade que mora
em favelas e bairros pobres é
qualificada como "excluída". Ou seja, os moradores da Rocinha e do Vidigal, por exemplo, não vivem ali
porque não dispõem de recursos para morar em Ipanema ou Leblon, e
sim porque foram excluídos da comunidade dos ricos. E eu, com minha mania de fazer perguntas desagradáveis, indago: mas alguma vez
aquele pessoal da Rocinha morou
nos bairros de classe média alta e
dos milionários? Afora um ou outro
que possa ter se arruinado socialmente ou que tenha optado por residir ali, todos os demais foram levados a isso por sua condição econômica ou porque ali nasceram. Então
por que considerá-los "excluídos",
se nunca estiveram "incluídos"?
No meu pouco entendimento, excluído é quem pertenceu a uma entidade ou a comunidade e dela foi expulso ou impedido de nela continuar. Quem nunca pertenceu às
classes remediadas ou abastadas
não pode ter sido excluído delas.
Mais apropriado seria dizer que
nunca foi incluído. Ainda assim, se
não me equivoco, incorreríamos em
erro. Senão, vejamos: a Rocinha, o
Vidigal, o Borel e a favela da Maré fazem parte da cidade do Rio de Janeiro, não fazem? Seria correto afirmar,
então, quer seja do ponto de vista urbanístico, quer do demográfico e social, que o Rio são apenas os bairros
em que reside a parte mais abastada
da população? Se fizermos isso, então, sim, estaremos excluindo parte
considerável do território e da gente
que constitui a cidade do Rio e que,
portanto, pertence a ela.
Consideremos agora a questão de
outro ponto de vista. Nos morros e
favelas da cidade residem cerca de 1
milhão de pessoas, que têm vida social ativa, pois trabalham, estudam,
participam de organizações comunitárias e recreativas. A maioria delas trabalha fora de sua comunidade,
no comércio, na indústria, no serviço público, ou desenvolve atividade
informal. Logo, participa da vida
econômica, cultural e esportiva da
cidade. Em que sentido, então, essa
gente estaria excluída? Não resta
dúvida de que as famílias faveladas,
na sua ampla maioria, vivem em
condições precárias, tanto no que se
refere ao conforto domiciliar quanto
à alimentação, às condições de higiene e saneamento, educação, saúde e segurança. Mas não estão excluídas da preocupação dos políticos
que, na época das eleições, vão até lá
em busca de votos. Há, nessa comunidade, cabos eleitorais, pessoas que
atuam em associações de bairro e fazem a ligação com os centros políticos de poder. É certo que a grande
maioria dessa gente não participa da
vida política, mas isso ocorre também com as demais pessoas, morem
onde morarem. Por todas essas razões, somos obrigados a concluir
que os pobres e favelados estão incluídos na vida econômica, social e
política da sociedade.
No entanto, isso não significa que
estejam em pé de igualdade com as
pessoas das classes médias e ricas.
Não estão e, na sua grande maioria,
descendem de gerações de brasileiros que tampouco gozaram dessa
igualdade. Muitos descendem de
antigos escravos e de brancos pobres que, pela carência de meios e
pela desigualdade que rege o processo social, jamais tiveram possibilidade de ascender econômica e socialmente. Eles não foram excluídos
simplesmente porque jamais estiveram incluídos entre os mais ou menos privilegiados.
Por que, então, cientistas políticos, sociólogos e jornalistas, entre
outros, falam de exclusão social? Por
ignorância não será, já que todos
eles estão a par do que, bem ou mal,
tentei demonstrar aqui. Creio que,
consciente ou inconscientemente,
procura-se levar a sociedade a pensar que a desigualdade social não é
conseqüência de fatores objetivos,
do sistema econômico, mas sim resultado da deliberação de pessoas
cruéis que empurram os mais fracos
para fora da sociedade e os condenam à miséria.
Em vez de admitir que esse sistema, por visar acima de tudo o lucro e
ser, por definição, concentrador da
riqueza, é que dificulta, ainda que
não impeça, a ascensão dos mais pobres, procura-se fazer crer que a desigualdade é fruto de decisões pessoais. Ignora-se que, no sistema capitalista, quem não tem emprego
também está incluído nele, como
exército de reserva de mão-de-obra,
com a função de pressionar o trabalhador e limitar-lhe as reivindicações. A eliminação da miséria beneficia o sistema pois amplia o mercado consumidor. O empresário pode
ser, como você ou eu, bom ou mau,
generoso ou sovina, mas, como disse
Marx, "o capital governa o capitalista". O problema está no sistema, não
nas pessoas.
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