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VISUAIS
Mostra apresenta obras de Rosana Palazyan dos últimos dez anos
Artista demarca lugar do sonho
JULIANA MONACHESI
FREE-LANCE PARA A FOLHA
Parece um mundo de conto de
fadas: brinquedos, caixinha de
música, travesseiros e vestidos
infantis bordados, máscaras de
papel desenhadas e balões de
festa. Dessa matéria-prima são
feitas as obras de Rosana Pala-
zyan, que podem ser vistas a
partir de hoje no Centro Cultural Banco do Brasil de SP.
Sugestionados a se deparar
com uma temática adocicada,
os visitantes da exposição "O
Lugar do Sonho" -antologia
da produção da artista na última
década- vão encontrar desenhos, objetos e instalações que
delatam histórias de um mundo
perverso.
"Caixinha de Música - Love
Story" narra, por meio de desenhos bordados em uma fita cor-de-rosa, dessas de quarto de
criança, colada na altura dos
olhos em toda a extensão das
paredes de uma pequena sala, o
caso de uma menina que era
violentada pelo pai, engravidou,
teve uma filha e, dois ou três
anos depois, percebeu que o pai
atacaria também a sua filha.
Apenas então ela teve coragem
de denunciá-lo.
O pai foi preso. A história é
real, colhida no noticiário policial, de onde Rosana Palazyan
retirou inúmeros outros casos
que figuram em seus trabalhos.
A instalação tem um mecanismo de caixa de música, em que
se pode dar corda. A repetição
do som e da "fábula", reproduzida dezenas de vezes na fita
bordada, demonstra que a história não tem fim.
E, dessa história sem fim, sabe-se, as notícias de jornal não
relatam mais do que uma ínfima parcela. De modo que, na
obra da artista, tudo se diz com
síntese poética de um fôlego.
Basta o tule sobre o qual Palazyan bordou, acima, a imagem
do irmão conhecendo-a no berço e a data 1963, ano em que ela
nasceu; abaixo, a imagem dela
reconhecendo-o morto e a data
1992, ano em que o irmão foi vítima de uma bala perdida.
"Irmão - Irmã" (1997) é um
dos poucos trabalhos da fase
mais autobiográfica da artista
presentes na mostra. Eles dividem o espaço do subsolo do
CCBB com a série feita a partir
de casos de jornais. "No início
eu fazia paralelos entre as histórias de maus-tratos de crianças e
os contos de fadas, porque via
neles uma relação implícita com
a violência", conta.
Também no subsolo, a artista
remonta a instalação "Hóstias",
que reúne cerca de 3.000 retratos de crianças mortas de forma
violenta impressos sobre hóstias, que são dispostas em fios de
náilon tencionados do chão ao
teto. "Eu me sinto pintando
quando monto esse trabalho",
afirma, aludindo às origens de
sua atuação artística, no período
áureo da "geração 80".
A instalação de 1994, que de
fato tem relações de cor, ritmo e
sombra, pontua o abandono do
plano bidimensional. "Quando
vi esse espaço do cofre, pensei
imediatamente em refazer essa
obra, para confrontar o valor
que a vida humana tem hoje
com o sentido tão impregnado
aqui de guarda de valores."
No segundo e terceiro andares
do centro cultural estão instalações mais recentes, que apontam uma mudança na abordagem dessas questões, que ocorreu a partir de 2000, quando Palazyan começou a freqüentar a
Escola João Luiz Alves, um instituto correcional de menores infratores localizado na Ilha do
Governador, no Rio de Janeiro.
Em "...uma história que você
nunca esqueceu?", a artista cria
com pequenos bonecos sobre
travesseiros encenações de casos relatados pelos adolescentes. Em outra obra, manipula de
forma muito poética um material descoberto na convivência
com eles: pingentes que os próprios fabricam com pedaços de
tubo de caneta, onde colocam o
nome da mãe ou da namorada.
Na instalação, uma sala pintada de azul com o chão recoberto
de areia, há uma caixa com alguns desses objetos -e esse é o
ponto da exposição em que melhor se vê o contato da obra da
artista com a de Bispo do Rosário, influência assumida- e um
vídeo que mostra os pingentes
sendo levados pela água do mar.
"Percebi que aquilo era a única
ligação deles com o exterior, como as garrafas dos náufragos."
Outro trabalho mostra, pintados em balões, os pedidos dos
meninos para uma estrela cadente. E aqui fica claro que Rosana Palazyan caminhou, em
seu processo de criação, do luto
à possibilidade de encontrar um
espaço para o sonho.
ROSANA PALAZYAN - O LUGAR DO
SONHO. Quando: vernissage hoje, a
partir das 11h; de ter. a dom., das 10h
às 21h. Até 7/9. Onde: CCBB (r. Álvares
Penteado, 112, SP, tel. 0/xx/11/3113-3651). Quanto: entrada franca.
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