São Paulo, sábado, 10 de julho de 2004

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VISUAIS

Mostra apresenta obras de Rosana Palazyan dos últimos dez anos

Artista demarca lugar do sonho

JULIANA MONACHESI
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Parece um mundo de conto de fadas: brinquedos, caixinha de música, travesseiros e vestidos infantis bordados, máscaras de papel desenhadas e balões de festa. Dessa matéria-prima são feitas as obras de Rosana Pala- zyan, que podem ser vistas a partir de hoje no Centro Cultural Banco do Brasil de SP.
Sugestionados a se deparar com uma temática adocicada, os visitantes da exposição "O Lugar do Sonho" -antologia da produção da artista na última década- vão encontrar desenhos, objetos e instalações que delatam histórias de um mundo perverso.
"Caixinha de Música - Love Story" narra, por meio de desenhos bordados em uma fita cor-de-rosa, dessas de quarto de criança, colada na altura dos olhos em toda a extensão das paredes de uma pequena sala, o caso de uma menina que era violentada pelo pai, engravidou, teve uma filha e, dois ou três anos depois, percebeu que o pai atacaria também a sua filha. Apenas então ela teve coragem de denunciá-lo.
O pai foi preso. A história é real, colhida no noticiário policial, de onde Rosana Palazyan retirou inúmeros outros casos que figuram em seus trabalhos. A instalação tem um mecanismo de caixa de música, em que se pode dar corda. A repetição do som e da "fábula", reproduzida dezenas de vezes na fita bordada, demonstra que a história não tem fim.
E, dessa história sem fim, sabe-se, as notícias de jornal não relatam mais do que uma ínfima parcela. De modo que, na obra da artista, tudo se diz com síntese poética de um fôlego. Basta o tule sobre o qual Palazyan bordou, acima, a imagem do irmão conhecendo-a no berço e a data 1963, ano em que ela nasceu; abaixo, a imagem dela reconhecendo-o morto e a data 1992, ano em que o irmão foi vítima de uma bala perdida.
"Irmão - Irmã" (1997) é um dos poucos trabalhos da fase mais autobiográfica da artista presentes na mostra. Eles dividem o espaço do subsolo do CCBB com a série feita a partir de casos de jornais. "No início eu fazia paralelos entre as histórias de maus-tratos de crianças e os contos de fadas, porque via neles uma relação implícita com a violência", conta.
Também no subsolo, a artista remonta a instalação "Hóstias", que reúne cerca de 3.000 retratos de crianças mortas de forma violenta impressos sobre hóstias, que são dispostas em fios de náilon tencionados do chão ao teto. "Eu me sinto pintando quando monto esse trabalho", afirma, aludindo às origens de sua atuação artística, no período áureo da "geração 80".
A instalação de 1994, que de fato tem relações de cor, ritmo e sombra, pontua o abandono do plano bidimensional. "Quando vi esse espaço do cofre, pensei imediatamente em refazer essa obra, para confrontar o valor que a vida humana tem hoje com o sentido tão impregnado aqui de guarda de valores."
No segundo e terceiro andares do centro cultural estão instalações mais recentes, que apontam uma mudança na abordagem dessas questões, que ocorreu a partir de 2000, quando Palazyan começou a freqüentar a Escola João Luiz Alves, um instituto correcional de menores infratores localizado na Ilha do Governador, no Rio de Janeiro.
Em "...uma história que você nunca esqueceu?", a artista cria com pequenos bonecos sobre travesseiros encenações de casos relatados pelos adolescentes. Em outra obra, manipula de forma muito poética um material descoberto na convivência com eles: pingentes que os próprios fabricam com pedaços de tubo de caneta, onde colocam o nome da mãe ou da namorada.
Na instalação, uma sala pintada de azul com o chão recoberto de areia, há uma caixa com alguns desses objetos -e esse é o ponto da exposição em que melhor se vê o contato da obra da artista com a de Bispo do Rosário, influência assumida- e um vídeo que mostra os pingentes sendo levados pela água do mar. "Percebi que aquilo era a única ligação deles com o exterior, como as garrafas dos náufragos."
Outro trabalho mostra, pintados em balões, os pedidos dos meninos para uma estrela cadente. E aqui fica claro que Rosana Palazyan caminhou, em seu processo de criação, do luto à possibilidade de encontrar um espaço para o sonho.


ROSANA PALAZYAN - O LUGAR DO SONHO. Quando: vernissage hoje, a partir das 11h; de ter. a dom., das 10h às 21h. Até 7/9. Onde: CCBB (r. Álvares Penteado, 112, SP, tel. 0/xx/11/3113-3651). Quanto: entrada franca.


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