São Paulo, sexta-feira, 10 de julho de 2009

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Municipal, ilegal e informal

Às vésperas do centenário, teatro enfrenta problemas com contratações irregulares; secretário diz que saída é criar Fundação

Danilo Verpa/Folha Imagem
Salão nobre do teatro que passa por reformas desde 2008

ANA PAULA SOUSA
DA REPORTAGEM LOCAL

Um silêncio constrangedor paira, há duas décadas, sobre o Teatro Municipal de São Paulo. Com cerca de 300 artistas contratados de forma irregular, a instituição transformou a contravenção em hábito.
"O teatro tem contratos ilegais com os músicos e vive na informalidade", reconhece o secretário municipal de Cultura, Carlos Augusto Calil.
Mantida atrás das cortinas durante anos, essa situação caótica está na origem de um projeto, ao qual a Folha teve acesso, que quer transformar o Municipal numa Fundação de Direito Público e criar uma Organização Social (OS). O projeto, que deve ser encaminhado à Câmara até agosto, desvincula o teatro e todo os seus corpos artísticos -Orquestra Sinfônica, Orquestra Experimental de Repertório, Quarteto de Cordas e três corais- da administração pública direta.
Transferência de poder para uma organização privada? "De maneira alguma", assegura Calil. "A Fundação será pública e terá um contrato de gestão com a OS. O Conselho será presidido pelo secretário de Cultura."
Para desatar os nós do Municipal e entender a rede de irregularidades em que está metido, é preciso recuar no tempo. Criado em 1911, o Teatro ganhou os chamados corpos estáveis na década de 1940. A lei reconheceu que os músicos tinham direitos trabalhistas e criou a figura do artista que é também funcionário público.
Não foi preciso muito tempo, porém, para que os regentes se dessem conta de que o tique-taque dos relógios das repartições não combina com a música, e a burocracia encolhe o artista. Engendrou-se, então, uma solução no meio do caminho: a categoria de "admitidos", que, trocando em miúdos, são funcionários públicos com menos estabilidade.

Estado contraventor
Tudo parecia acomodado até que, em 1988, a Constituição extinguiu essa figura do quadro funcional. Sem saber como contratar os novos músicos, o teatro passou a incluí-los na rubrica que estava à mão: "verbas de terceiros", uma forma destinada, exclusivamente, à contratação temporária.
E foi assim, como se tivessem sido chamados para um só concerto, que passaram a viver os artistas. "O Estado surge como contraventor das leis que ele próprio criou", diz a socióloga Liliana Segnini, da Unicamp, que esmiuçou esse histórico numa pesquisa sobre as condições de trabalho dos músicos.
Em 1992, Marilena Chauí, secretária da Cultura da prefeitura de Luiza Erundina (1989-1992), chegou a estipular, por lei, que todos os músicos passariam por um concurso. Mas a lei foi ignorada pelos administradores que a sucederam.
"Diretores que alugavam o teatro para eventos sociais jamais se empenhariam na regularização. A desorganização favorece certos interesses escusos", diz o contrabaixista Miguel Dombrowski, que, a despeito de estar há 10 anos na orquestra, não tem direitos e chegou a ter de renovar contrato de quatro em quatro meses.
Mas se Dombrowski torce pela regularização, outros de seus colegas se mobilizaram, em 2008, para que o primeiro projeto rascunhado pela atual gestão não avançasse. "Os projetos são sempre burocráticos, esquecem os artistas. Não podemos aceitar qualquer coisa", diz José Silveira, admitido do Coral Lírico há 36 anos. "Sofremos muito aqui. Mas ninguém sabe disso porque os funcionários públicos são proibidos, por estatuto, de falar, e os outros temem represálias."
Há, além disso, o fantasma do concurso ou de audições para contratação pela CLT. Quantos artistas passariam pelo crivo? Publicamente, esse é um tema tabu. Mas, à boca pequena, se diz que os altos e baixos da orquestra se devem à deficiência de profissionais que têm estabilidade. "Muitos têm medo de apoiar o projeto e, depois, ficar de fora da nova estrutura", diz o trombonista Luiz Cruz.
As diferentes reações à Fundação refletem as diferenças internas. Há músicos que ganham até R$ 18 mil. Outros, recebem um salário base de R$ 1,2 mil -a isso são acrescidas gratificações e extras. "Há disparidades absurdas", diz Calil.
Por que seria ele o secretário a fazer a mudança há tantos anos adiada? "Terei de ser. O governo está decidido a implantar a Fundação. O Ministério Público tem nos cobrado uma solução, e a Prefeitura tem perdido uma série da ações para os contratados que entram na Justiça." Ao menos, o silêncio da conivência foi quebrado na casa operística de São Paulo.


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