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Bacon - Canibal do olhar
O pintor Francis Bacon (1909-1992), que
devorou as mais distintas manifestações da
história da arte para produzir uma pintura
figurativa única e personalizada, chega ao
Brasil em outubro, para a 24ª Bienal. A
curadora da mostra, Dawn Ades, adianta
aqui obras e conceitos que trará ao evento
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CELSO FIORAVANTE
enviado especial a Londres
Depois de
mais de 25 anos
de ausência, o
pintor irlandês
Francis Bacon
(1909-1992) está
voltando ao
Brasil. É uma
das mais aguardadas estrelas da
próxima edição da Bienal, que será
realizada entre 4 de outubro e 13
de dezembro e tem como fio condutor a antropofagia.
A curadoria é da curadora e professora inglesa de história da arte
Dawn Ades, que já curou, em
1985, uma grande retrospectiva do
artista, na Tate Gallery, em Londres. Organizou também, em
1989, a maior exposição de arte latino-americana na Inglaterra, na
londrina Hayward Gallery, com
mais de 400 obras.
A curadora é conhecida dos brasileiros. Ela é autora de dois livros
de referência fundamentais lançados aqui: "Arte na América Latina" e "Figuras e Semelhanças",
sobre a obra de Siron Franco.
Para a Bienal, Dawn cura ainda,
com o francês Didier Ottinger, a
sala dedicada ao surrealismo e ao
dadaísmo.
Folha - Em que Bacon é antropofágico?
Dawn Ades - Acho Bacon antropofágico e canibalístico em diferentes níveis. Primeiro, pela maneira como ele usa, absorve e reorganiza imagens de outros artistas.
Outra característica é a forma como ele trabalha o corpo humano, a
maneira como o canibalismo se
torna uma manifestação do desejo
pelo outro. Esses dois aspectos serão visíveis na mostra.
Folha - A obsessão de Bacon pela
boca teria também uma conotação
canibalística?
Dawn - Poderia se relacionar
com o ato da ingestão, mas ele pinta a boca sob diferentes perspectivas. Eu vejo a forma como ele pinta
a boca em relação ao grito humano, que é a forma de o corpo expelir suas emoções mais extremas.
Eu o relaciono com o texto de
Georges Bataille, "La Bouche",
no qual o filósofo trata a boca como o meio de expressão das experiências de agonia e êxtase.
Bacon mesmo fez questão de enfatizar seu interesse pela beleza da
boca, por suas cores, pela dificuldade de reproduzir suas texturas
na pintura. Também era fascinado
por outros artistas que pintaram o
grito humano, como Caravaggio
em sua "Medusa", Poussin em
seu "Massacre dos Inocentes" e
pela sequência do grito em "O Encouraçado Potemkin".
A boca tinha ainda uma conotação homossexual, que talvez seja a
mais profunda e mais obscura.
Folha - A mostra que você organiza para a Bienal pode ser comparada com a retrospectiva que você
curou para a Tate em 1985?
Dawn - Eu gostaria muito de
pensar que existem relações entre
as duas mostras, mas a que organizo para a Bienal é muito menor.
São similares na intenção de apresentar tantos aspectos quantos
possíveis, com trabalhos de todos
os períodos de sua carreira.
Folha - Quem cedeu trabalhos
para a Bienal?
Dawn - Existem trabalhos da
Tate Gallery, da Hayward Gallery,
do Centro Georges Pompidou, em
Paris, e de coleções particulares
que não querem ser divulgadas.
Teremos as telas "Study of Isabel Rawsthorne" (1966), "Study
for Portrait of Van Gogh 6"
(1957), "Portrait of Michel Leiris" (1976), o tríptico "Studies
from the Human Body" (1970) e
um auto-retrato de 1971.
Folha - Bacon se colocava na tradição da pintura figurativa, mas a
transformava de maneira absolutamente pessoal. Você acha que
ele se colocava na tradição ou na
vanguarda da pintura?
Dawn - Ele atuou nos dois campos, simultaneamente e de maneira paradoxal. Ele era uma espécie
de Van Gogh, pela forma como
reinventava a pintura. Ele se aproximou do surrealismo de maneira
pessoal e nova. Ele propunha novas formas de criar imagens, formas de escapar do academicismo,
mas também sabia do extremo valor da tradição da pintura.
Folha - O fato de a arte contemporânea inglesa ser tão figurativa
é uma influência de Bacon? Ele
tem discípulos?
Dawn - Não saberia dizer se a
arte britânica é mais figurativa que
em outros países, mas acredito que
os jovens britânicos estão mais interessados em Duchamp ou Beuys.
Não acredito que ele tenha seguidores. As pessoas falam de
uma escola de
Londres, com
Francis Bacon,
Lucian Freud,
Frank Auerbach e Michael
Andrews. Esses
quatro artistas
tinham ligações, mas trabalhavam de
maneira diferente a tradição figurativa.
Não houve
uma escola.
Folha - Bacon
me parecia
muito autocentrado, egoísta...
Dawn - Não
acredito que
ele fosse egoísta. Ele pintava
argumentos
fortes, provenientes de tragédias gregas
ou baseados
em poemas de
T.S. Eliot, argumentos que confirmam a possibilidade da tragédia
humana.
Bacon estava muito interessado
na figura solitária na tela, que pode
estar elevada ou terrivelmente
acuada. A "Orestíada", de Ésquilo, o obcecava, mas ele não poderia
pintar uma tragédia grega literalmente sem se tornar um pastiche.
É muito difícil pintar esse tipo de
tormento, mas Bacon chegou perto na transmissão do fascínio desses personagens gregos para os
dias de hoje.
Folha - Bacon dizia que não tinha
qualquer interesse por teorizações
de sua obra. Você acha que o espectador pode ter prazer sem conhecer as teorias sobre ele?
Dawn - Acho que sim. Bacon
sempre acrescenta algo à experiência de qualquer um. Seus trabalhos
são tão poderosos que todos podem se identificar de alguma forma, pois tratam de experiências
que envolvem o espectador.
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