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UM GOLPE NO SAUDOSISMO
Nova configuração da praça do Patriarca ressalta visuais pouco contempladas de São Paulo
Projet o apont a não-confi name nto da cidade
GUILHERME WISNIK
ESPECIAL PARA A FOLHA
A nova cobertura para o
acesso à galeria Prestes Maia,
agora Masp - Centro, ainda não
foi inaugurada, mas já tem gerado
muitos comentários. Tanto porque se situa em um dos locais de
maior fluxo da cidade de São Paulo, a praça do Patriarca, ponto de
chegada do viaduto do Chá, como
pelo fato de ser a construção mais
recente do arquiteto Paulo Mendes da Rocha.
Mas no que consiste a intervenção? Por um lado, na restauração
da praça, que havia sido convertida em terminal de ônibus. Por outro, na sua transformação em um
espaço novo: a obra tem despertado a curiosidade dos passantes
devido à sua formalização "sui generis", que excede a simples função de uma cobertura.
Além disso, ele instalou no centro da cidade um canteiro de
obras inusual, quase naval, com
grandes perfis metálicos pré-fabricados, chapas curvas e máquinas de solda.
Radicalidade
Ao lado dessa inquietação, a
obra tem provocado também
uma certa rejeição, dada a radicalidade com que se expõe e intervém no espaço urbano.
Nostálgicos da cidade do século
19 ficaram insultados com o que
parece ser uma intromissão na escala da praça. Ou, ainda, com a
heresia de aparentemente ter se
obstruído a visão da igreja de Santo Antônio, que ali se encontra.
Ora, sabemos que a particularidade de São Paulo, tanto na beleza
quanto na feiúra, está na sua capacidade de se transformar. Característica que faz com que posturas exageradamente preservacionistas, que só se justificariam
caso a praça ou suas edificações
fossem exemplares significativos
da nossa arquitetura, representem, ao fim, não mais do que
questões deslocadas.
Nesse projeto, não há lugar para
um certo bom gosto de juízo ponderado, que prefere aplaudir o
que entende como uma transgressão contida, conseguida por
Mendes da Rocha no edifício da
Pinacoteca do Estado, onde as
"interferências" metálicas dialogam mais de perto com o antigo.
No pórtico da Patriarca não há
meio-termo: ele é indesculpavelmente acintoso.
Além da praça
A idéia de que o pórtico encoste
demais nas edificações vizinhas,
possuindo proporções exageradas, também é um falso problema
-pois, se os pilares estivessem
mais próximos à cobertura, ambos seriam percebidos como um
objeto único, que se assenta sobre
o terreno.
No entanto trata-se do contrário. O conjunto é uma realização
espacial que ultrapassa a objetualidade auto-suficiente e a escala da
praça isolada.
Percebido como uma sucessão
de planos interrompidos que
emolduram a paisagem da cidade
de diferentes modos estáveis e
instáveis, o conjunto viga-pilar-marquise implanta-se como se
quisesse atravessar os edifícios laterais, indicando um sentido ilimitado de passagem, como a direção transversal da rua São Bento, que corta a praça ligando a igreja de mesmo nome à de São Francisco.
Realizando uma leitura da cidade de São Paulo, o projeto é um
inteligente comentário sobre o desejo de não confinamento dos
seus espaços, definindo, ao mesmo tempo, na escala local, uma
praça aberta que pode ser lida como um átrio para a igreja.
Essa antiobjetualidade expansiva de uma arquitetura que passa a
dar sentido, por contraste, ao entorno pode ser mais bem compreendida se comparada à pirâmide do Louvre, que também protege o acesso a uma entrada
subterrânea de museu, mas configura-se como um objeto ensimesmado (note-se também que o sentido de uma sombra ao ar livre revela o caráter tropical do projeto de Paulo Mendes da Rocha).
Outra implicação fundamental do pórtico do projeto, que complementa as anteriores, é o seu caráter de medida.
Como uma régua horizontal, dá
parâmetros para a percepção da
topografia da cidade, feita de vales
e colinas, demonstração eloquente do cenário em que esta surgiu.
Assim, o poder de irônica suspensão de sua cobertura está ligado ao fato de permitir o livre fluxo
urbano, pela comunicação com
um plano mais baixo, que é o vale
do Anhangabaú. Razão pela qual
é fundamental que o acesso inferior à galeria nunca seja bloqueado, pois a qualidade de passagem
é o que garante ao projeto sua inserção urbana, e em grande medida ampara o seu sentido espacial.
Avaliação:
Guilherme Wisnik é arquiteto, autor de
"Lucio Costa" (Cosac & Naify, 2001)
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