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Crítica
Documentário usa soluções já muito gastas
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
As questões que "Intervalo Clandestino",
de Eryk Rocha, propõe estão em seu primeiro
minuto de duração. Mais
precisamente, no momento
em que, com a tela escura, alguém sustenta que, se o que
se está produzindo não é para passar na televisão, então
é como se não existisse, como se fosse nada.
Não é um início animador:
sugere que vai começar um
desses filmes cujo assunto
são o próprio filme, o cinema
(brasileiro em especial) e
seus problemas.
Não é isso que acontece, no
entanto. Desde que a imagem aparece, o espectador é
confrontado com um, digamos, caos verbal brasileiro.
Lá está "o povo" (quase sempre são pessoas pobres que
se manifestam), sustentando
que somos um país rico, rico.
Mas onde está essa riqueza
mitológica? Onde devemos
procurá-la? O filme então
passa a se dirigir aos políticos
e à política.
O povo fala. Logo nos vemos engolfados por uma cacofonia fabulosa, produzida
pela somatória de vozes, cada qual com sua solução para
o problema ou, pelo menos,
sabendo explicar porque estamos na pior.
Enveredamos por nossos
governos: FHC, Lula, o tempo de Getúlio Vargas, o de
Jango etc. A soma das opiniões discrepantes quase
obrigatoriamente nos conduz à conclusão de que dos
políticos não podemos esperar salvação.
Semelhança
Percebemos então que o
documentário "Intervalo
Clandestino" tem com a TV
uma semelhança profunda:
ambos são lugares em que vigora o taumaturgo.
Na televisão, ele é o político, Silvio Santos ou o pastor
evangélico. No filme, o anônimo fala com a mesma ênfase, a mesma convicção de
enunciar a verdade. Mas
enuncia nada mais do que
sua opinião.
Todas as falas que ouvimos
parecem compor um relatório do grande esforço de desinformação desenvolvido
no Brasil nas últimas décadas. Vendo o filme -e abstraindo o fato de que ele próprio constitui um discurso-,
acreditando que as palavras
ali emitidas representem o
pensamento popular, podemos concluir, sem grande dificuldade, que o brasileiro,
basicamente, só fala besteira.
É possível. Mas voltemos
ao início, em que a voz assegura que, se uma imagem
não aparece na TV, é como se
não existisse. A voz que diz
isso tem razão em vários sentidos. Um deles: a população
só tem acesso a imagens pela
televisão desde que o cinema
deixou de ser uma diversão
popular.
Por isso essa voz pode
questionar "Intervalo Clandestino": se este filme, que
busca desnudar o vazio de
nossas palavras, de nossa política e até de nossa fé, não
passa na TV, ele necessariamente se dirige a outras pessoas que não as interpeladas
pelo documentarista. Qual o
sentido disso então?
Talvez ele esteja nas imagens de um lixão, com uma
"Aquarela do Brasil" distorcida na banda sonora.
"Intervalo Clandestino" é,
em um nível, um filme pré-histórico, que retoma soluções que o cinema brasileiro
já usou e gastou em anos passados; em outro, um bem-intencionado, mas frustrado,
trabalho de um cineasta que
procura entender uma população pobre da qual está visceralmente separado pela segregação de classe (nesse
sentido, integra o que se pode denominar "cinema brasileiro de pobre"); e, por fim,
mais um relatório de desilusões com o Brasil, num filme
que, em linhas gerais, não
consegue trilhar senão caminhos já trilhados.
INTERVALO CLANDESTINO
Direção Eryk Rocha
Produção: Brasil, 2005
Quando: em cartaz a partir de amanhã no Frei Caneca Unibanco Arteplex (em projeção digital)
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