São Paulo, domingo, 10 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Polícia Federal "estrela" nova novela da Record

Rede pede para autor ampliar papel de delegado da PF em trama sobre a máfia

Lauro César Muniz, que começa a escrever "Vendetta", diz que histórias criadas por nova geração são "simplistas", mas elogia "A Favorita"


LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Protógenes Queiroz, o delegado da Polícia Federal que prendeu Daniel Dantas, Naji Nahas e Celso Pitta, será galã de novela. Calma lá, essa foi só uma frase de impacto ao estilo das operações da PF. Mas ele e seus holofotes mudaram os rumos de "Vendetta" (título provisório), a próxima novela de Lauro César Muniz na Record.
O autor de sucessos como "O Salvador da Pátria" e "Roda de Fogo" conta ter recebido do bispo Honorilton Gonçalves, vice-presidente da emissora, sugestão para ampliar o espaço de um delegado da PF em sua história, sobre a máfia. Muniz, 70, vê no pedido uma "intuição dramatúrgica" e não um possível interesse político da Record ou da Igreja Universal, proprietária da rede. À Folha, o autor traça relação entre Protógenes, "sujeito sério e esperto", e seu personagem, analisa o sucesso da reprise de "Pantanal", critica a nova geração de autores, mas elogia "A Favorita".

 

FOLHA - Como avalia a entrada da reprise de "Pantanal", do SBT, na disputa por audiência, antes polarizada entre Globo e Record?
LAURO CÉSAR MUNIZ
- Esse momento é rico, de competição forte entre as três redes. A Record está realmente crescendo, apesar de momentos de hesitação, e não deve recuar. Seu crescimento está provocando reação, como a do SBT, que deu a sorte de comprar "Pantanal".

FOLHA - O sucesso dessa reprise pode dar recados a autores de hoje?
MUNIZ
- Ele prova a eficiência das novelas antigas. Mostra que aquela nossa estrutura continua presente, envolvendo sem os maniqueísmos das tramas de hoje. Quem é o herói de "Pantanal"? E o vilão? É difícil dizer porque ali há pessoas interessantes. É bom para desmistificar a idéia de que é preciso ter estrutura rígida, maniqueísta. "Pantanal" veio discutir essa estrutura aberta, realista, de personagens contraditórios. Sou de outra geração, e a atual está escrevendo de maneira muito esquemática. Busca-se a fórmula facilitadora, que está vulgarizando a novela. "Pantanal" mostra que nossa geração, minha e a do [Benedito] Ruy [Barbosa, autor da novela], estava certa.

FOLHA - Por que agora se escreve de forma esquemática, como diz?
MUNIZ
- Minha teoria é que o mundo virou um processo mercadológico, sem discussão ideológica, essa globalização... É tudo um hipermercado onde só vale o ganho imediato. O cinema norte-americano passou a ser barulhento e engoliu o europeu, que foi nocauteado por anos e só agora está se levantando. O público foi envolvido por uma coisa mais fácil. Isso também impôs à telenovela a maneira simplista, na qual prevalece o maniqueísmo, o herói nítido contra o vilão nítido. E isso gerou queda de qualidade.

FOLHA - O sr. vê "A Favorita"?
MUNIZ
- Sim, é uma novela de qualidade, a melhor dos últimos três, quatro anos na Globo. Quero ver o que novos autores estão fazendo, e a que nível os velhos cederam a essa estética facilitadora. Isso me incomoda.

FOLHA - João Emanuel Carneiro, autor de "A Favorita", é da nova geração, inclusive era colega de Tiago Santiago, de "Os Mutantes" [que defendeu na Record que Muniz deixasse claros os heróis e vilões de sua próxima novela]. Ele lançou "A Favorita" com a proposta de fazer um jogo de dualidade ao não revelar quem era a mocinha e a vilã. Ele é ou não dessa geração maniqueísta?
MUNIZ
- Ele está até desfazendo isso, ao brincar com a dualidade. É claro que ele tem um pé nessa estética facilitadora, se formou dentro dessa visão. Mas está com uma visão crítica sobre isso.

FOLHA - O sucesso de "Pantanal" não mostra também que nem sempre é preciso imprimir ritmo acelerado à trama, como é comum hoje?
MUNIZ
- É outro mérito de "Pantanal" desfazer o conceito de que é preciso que tudo seja avassalador, de ritmo frenético. Não acho que a gente tenha que voltar a essa fórmula, mas achar uma síntese entre ela e o que se faz hoje. Por outro lado, é impressionante como o público se liga em cenas fortes. A tendência do autor é fazer cenas de impacto, barulho. E "Os Mutantes" [com muitas cenas de ação] tem o mérito de estar segurando a audiência de "A Favorita", fazendo um dique. Se não, a novela da Globo estaria dando o ibope mais alto dos últimos tempos. O Tiago tem o mérito de ter descoberto essa coisa lúdica que atinge a classe C/D/E e o público infanto-juvenil. Ele é esperto para evitar que "A Favorita" deslanche. Discordo de sua cartilha de telenovela, acho que não serve de modelo, mas ele sabe fazer e segurar a audiência. A Record deve muito a ele, aceitou essa estética e de certa forma a estabeleceu como padrão da casa. É um momento em que a Record usa essa estética para se afirmar e depois poder sonhar mais alto. Espero que "Vendetta" possa contribuir, porque é uma novela mais ambiciosa.

FOLHA - Como surgiu "Vendetta"?
MUNIZ
- Era um projeto de minissérie que apresentei em 1998 para a Globo, que não deu a menor bola. É inspirado no romance ["Hora ou Vendetta"] do Sílvio Lancellotti sobre a máfia. É o que a Record está fazendo agora: ações fortes, conflitos, tiro, violência, pancadaria. Nada melhor do que a máfia. A cúpula aceitou a idéia e fez algumas sugestões para ampliar a Polícia Federal na história. O delegado da PF já estava na história do Sílvio, o Telônio Meira, mas eu o ampliei.

FOLHA - Essa sugestão em plena época de operação Satiagraha...
MUNIZ
- Olha os nomes: Protógenes, Telônio. Foi uma premonição do Sílvio, pelo menos no nome [risos]. Tem tudo a ver esse Protógenes com o Telônio, é ampliar e dar credibilidade à Polícia Federal, que, pelo noticiário, está acertando mais do que errando, apesar de ter exagerado em algumas coisas. Esse Protógenes Queiroz é interessante, um sujeito sério. A PF começa a ter simpatia da opinião pública. Pensei: "Isso vai dar certo". A sugestão de ampliá-la veio do Honorilton Gonçalves [bispo, vice-presidente da Record]. Ele está certo.

FOLHA - Esse pedido não pode representar um apoio da emissora da Universal, igreja ligada a Lula, à PF?
MUNIZ
- Não me passou isso pela cabeça. Vi como uma contribuição dramatúrgica, uma boa intuição que ele teve. Ele intuiu que seria bom valorizar o antagonista ao mafioso.

FOLHA - Apesar da quebra do monopólio da Globo, o sr. costuma refletir sobre o significado do ganho de poder da Record, ligada à igreja?
MUNIZ
- Claro, penso muito nisso. Mas também penso na origem da Globo. Na década de 60, quando a Globo apareceu, se falavam as coisas mais conspiratórias: a Time Life [empresa norte-americana que investiu na Globo], ligação com a ditadura. E a emissora cresceu, fez um trabalho excelente e hoje é genuinamente nacional. Acho que a Record também pode contribuir com qualidade.


Texto Anterior: Frases
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.