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ARNALDO JABOR
Um encontro marcado no fundo do abismo
O abismo é o grande desejo nacional. Esses pessimistas que vivem reclamando do Brasil, dizendo que iremos para o "fundo do
abismo", estão errados. O abismo
é bom.
Sou um otimista e declaro que o
Brasil está em um belo rumo, e
que a desgraça é a nossa salvação.
Só o abismo nos redimirá. Vamos
parar com o sonho ridículo, gestado na USP por intelectuais iluministas, de que a "razão" poderia
nos salvar com reformas de velhas
estruturas. Ficou tudo claro.
Agora, que seria a hora de mudar, ACM e Barbalho, a dupla do
barulho, mostram que não haverá mudança. Agora, que está na
hora do ajuste fiscal, criou-se esse
"combate" irreal à pobreza. Fala-se em mudança para que nada
mude.
FHC está sem prestigio? Vamos
pular do navio. Há urgência nacional? Dane-se. Só interessam os
partidos, as "ambiçõezinhas"
criando factóides diversionistas
em volta de um intelectual hesitante, há quatro anos oscilando
como um "João Bobo" na ciranda
unida da esquerda sem programa
e da direita patrimonialista. Sim,
é a volta triunfal do velho Brasil
canalha... sem meias palavras...
sem disfarces...
FHC errou muito nesses anos.
Foi frio, não se comunicou com a
opinião pública, subestimou resistências, não teve paixão militante
por seu projeto, mas tentou uma
agenda de reformas do Estado e
da sociedade que poderiam curar
doenças endógenas de nossa formação. Para isso, uniu-se a uma
direita pseudo-moderna. Deus, foi
um luxo!...
Senadores e deputados de terno
brilhante, políticos conchaveiros,
estelionatários de bancos estaduais, descoladores de propinas,
"corruptozinhos" de gabinete, todos passaram a ostentar um toalete de reformistas, arrotando palavras como "globalização", "enxugamento do Estado" e "terceira
via". Embora sempre estivessem
eticamente no século 17, pois são
donatários, aventureiros e degredados de gravatinha Hermès, passaram a se considerar acadêmicos
da "elite cultural".
Fisiológicos e analfabetos começaram a dizer, com afetada naturalidade, no "Piantela": "Hoje
passamos uma tarde agradabilíssima no Alvorada, eu e o Presidente... discutindo Giddens..."
A maior obra de FHC foi ter emprestado "dignidade" a aventureiros que se autonomearam
"modernos". E agora, depois de
quatro anos em que o infernizaram com exigências, com vaidades pequenas, com demandas e
pleitos de currais remotos, vão se
afastar do presidente "em baixa".
Depois de criarem uma sabotagem por semana, numa aliança
surreal com a oposição albanesa,
diante do olhar rancoroso e invejoso da academia e do desinteresse de intelectuais e artistas que
não metem a mão em cumbuca
complexa (pois vivem à custa dos
simplismos que "dão Ibope"),
agora, depois que conseguiram
apodrecer a reforma política do
país, todos vão desfrutar do fracasso que provocaram comendo
até os ossos do banquete que destruíram. Mas não pensem que estou pessimista.
Acho que se aproxima a verdade nacional. Sempre tivemos uma
funda atração pela catástrofe. E
hoje começa a ficar claro que só o
abismo nos salvará. Como? Pelo
escancaramento da verdade em
nossas fuças, pois "só a verdade é
revolucionaria", como dizia
Maiakovski. E o abismo será
bom, pois só a ruptura do tecido
social nos dará consciência de
nosso destino.
Como escorpiões, matamos o
sapo que nos transporta, pois precisamos errar até o fim para saber
quem somos. O abismo é bom para dar sossego à direita, que impedirá a democracia, e é bom para dar às velhas esquerdas a
chance de saborear o caos, pois
poderão de novo falar em "revolução", com gestos indignados e
slogans superados.
E, como depois o país cairá certamente na mão de um populista
de direita qualquer, com apoio
militar, a esquerda poderá sofrer
em paz, no fundo de seu masoquismo ignorante.
O abismo vai ser bom porque
teremos de novo um autoritarismo reacionário (e aí vocês verão o
que é "entreguismo neoliberal"),
que saciará nossa fome de tragédia. Há um prazer suicida em ver
o governo fracassar, há um desejo
sexual pela volta da hiperinflação. Vai ser lindo!
A Previdência vai quebrar e
não haverá dinheiro para pagar
os velhinhos, pois o dinheiro só
pagará os marajás, claro. E os
idiotas dirão: "Virgem! Então era
necessária mesmo a tal reforma
da Previdência?!". E o abismo será bom porque, como não se fez
ajuste fiscal nenhum, quebrarão
os Estados e seus 5.000 novos municípios oportunistas, um a um,
numa "alagoização" progressiva
e didática.
E ninguém vai receber salário, e
ficará claro porque era necessária
a reforma administrativa. E quebrarão o Banco do Brasil, a Caixa, a hiper voltará e os ministros
da Suprema Indústria das Liminares (que, aliás, acabam de dar
ganho de causa à três famílias de
1945, que vão receber R$ 3,5 bilhões pelo terreno do Aeroporto
do Galeão) vagarão sem rumo
nos palácios de mármore, como
urubus deprimidos.
E, quando houver a nova crise
internacional, fugirá todo o dinheiro daqui, quebraremos e ficará claro o óbvio do "ajuste fiscal"
que não se fez. O abismo é bom
porque vai haver a moratória da
dívida interna, da dívida externa
e poderemos começar do zero, do
lixo, do nada. O abismo é nossa
verdade, nosso desejo profundo.
Temos um encontro de amor
marcado no fundo do abismo. O
abismo é bom porque raspa as
aparências, pois o que estraga o
país é essa capa de normalidade,
esse verniz de "racionalidade", é
a mentira dessa falsa democracia
representativa.
O abismo é bom para acabar
com a empulhação de ouvir esses
sujeitos chamados de "Excelência" falando em "interesse nacional", quando só pensam em seus
currais. E tem a vantagem de que
acabaremos com a miséria também. Pelo extermínio.
Tomara que chegue logo a verdade do abismo, porque será
muito bom. Como já dizia Norman Mailer, é bom acabar com a
ópera bufa para entrarmos definitivamente em nossa própria
tragédia.
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