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ANÁLISE
Ilusões cinematográficas
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Desde o fim da guerra, Leni
Riefenstahl aproveitou cada
oportunidade para jurar que nunca foi nazista, que não era membro do partido nem nunca soube
da deportação e assassinato em
massa de judeus. Era apenas amiga de Hitler, e por isso lhe foi confiada a realização de obras capitais, como "O Triunfo da Vontade" e "Olímpia".
Aceite-se a auto-imagem de
mulher alienada e busquemos
nos filmes o ideário de Leni. "O
Triunfo da Vontade" será de fato
um documentário genial? Ou
uma advertência para o uso meio
indiscriminado que se faz da palavra genial?
O que se mostra ali é a convenção do partido nazista, e ninguém
dirá que a Leni falta talento. Mas
que talento é esse? Não, certamente, o de buscar a vida, o inesperado, o precário da existência. Leni
foi, ali, uma artista da ordem unida, da solenidade -o caráter cenográfico e espetacular do nazismo nunca foi tão posto em relevo,
e tão talentosamente, quanto em
"O Triunfo da Vontade".
"Olímpia" é teoricamente mais
inocente, menos politizado, apenas o filme oficial das Olimpíadas
de 1936. Nas mãos de Riefenstahl,
no entanto, concretiza-se o ideal
hitlerista de beleza.
Os corpos perfeitos dos atletas
são exaltados pelas câmeras, que
decompõem seus gestos, registram seus esforços muito menos
pela ótica da competição do que
pela da perfeição. "Olímpia" é um
filme apolíneo, retilíneo (como
"O Triunfo"), ordenador. Para
Leni como para Hitler, a beleza é
a ordem.
Ocorre que Hitler é um personagem central do século 20, e nenhuma imagem exprime melhor
do que a desses filmes sua concepção de mundo. Uma concepção que partilhou com milhões
de alemães, para quem ordem e
beleza eram uma coisa só; só podiam ser uma coisa só depois do
caos do pós-Primeira Guerra
Mundial.
Dessa maneira de ver o mundo
Leni foi a principal intérprete. As
exposições de arte nazista eram,
até onde se pode saber (pelos filmes), coisas de um academismo
extremo. O cinema de Leni Riefenstahl não sofre desse tipo de
primarismo, talvez por isso seus
filmes tenham sido praticamente
banidos no pós-guerra: são boa
propaganda, usam com enorme
eficácia o poder irracional de
convencimento das imagens.
Daí o absurdo da empreitada a
que se dedicaram alguns liberais
exaltados, ao compará-la a Eisenstein (pela coincidência de
ambos viverem e produzirem em
regimes ditos totalitários).
Eisenstein e Riefenstahl eram
antípodas, na verdade. Ao primeiro incomodava profundamente a incidência da realidade
na imagem de cinema, bem como
sua irracionalidade. Boa parte de
sua empreitada consiste em libertar o cinema da realidade e o espectador da ilusão das imagens.
Riefenstahl, ao contrário, acreditou e investiu profundamente
na ilusão cinematográfica. Tanto
que viveu até o fim na crença, ao
que parece sincera, de que nunca
foi nazista e de que nunca serviu
ao nazismo.
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