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CINEMA
Spielberg diz que tem "compromisso de negócio" e que produz filmes que ele mesmo não escolheria para dirigir
Diretor vê Hollywood "criativa e liberal"
DO "PAÍS"
Leia a continuação da entrevista
com Steven Spielberg, diretor de
"O Terminal"
Pergunta - Qual é sua opinião sobre a barreira que está sendo construída para separar os dois países?
Spielberg- A única coisa que
posso dizer é que espero que seja
temporária. Ela foi erguida como
defesa contra os suicidas. Mas
acho que é necessária.
Pergunta - No próximo ano será o
30º aniversário da estréia de "Tubarão". Fazendo uma retrospectiva, como você vê sua carreira?
Spielberg- "Tubarão" foi meu
Vietnã, embora essa comparação
possa não ser muito apropriada.
Digo isso com toda a felicidade
que me causou seu sucesso, que, a
partir desse dia, me proporcionou
a liberdade para fazer qualquer
filme que eu quisesse. "Tubarão"
arrecadou tanto dinheiro que me
deu a oportunidade de me transformar em artista. Mas conseguir
levar aquelas imagens à tela foi o
pior pesadelo que vivi em toda
minha carreira como cineasta.
Pergunta - Por que?
Spielberg- Porque trabalhar no
mar, com um tubarão mecânico,
é uma coisa insana. Eu era suficientemente jovem para encarar
essa loucura e suficientemente ingênuo para imaginar que poderia
conquistar todos os elementos da
natureza. E a natureza não me deu
folga durante os 155 dias da filmagem -e acabou vencendo.
Pergunta - E você batalha em
Hollywood contra outros tubarões?
Spielberg -Não. A fama de
Hollywood é a de que está cheia
de tubarões, mas não é verdade.
Também há muita gente que adora contar histórias, fazer filmes,
fazer dinheiro, descobrir novos
talentos e ser competitiva e criativa ao mesmo tempo. Hollywood,
no total, não representa os dentes
de um tubarão, ainda que existam
determinados indivíduos que o
sejam. Na maioria, Hollywood é
uma comunidade criativa e progressista, de indivíduos liberais e
brilhantes.
Pergunta - Você começou na televisão. Hoje, quando assiste a séries
como "Sex and the City", "Six Feet
Under" e "A Família Soprano", não
acha que a criatividade do cinema
americano tenha se refugiado na
televisão?
Spielberg- Sim, é verdade que a
criatividade está ali. Mas nem todo mundo possui a mesma capacidade criativa. E os estúdios precisam fazer muitos filmes muito
diferentes por ano, e nem tudo
pode ser "A Família Soprano" ou
"Friends".
Pergunta - Mas você não acha
que o cinema virou vítima da obsessão pela bilheteria, pelo resultado comercial?
Spielberg- Eu, não. Talvez
Hollywood sim, mas eu não me
sinto assim. Veja bem, Hollywood
é um projeto empresarial que começou com muito mais idealismo
do que tem hoje. E empresas
enormes que desconheciam como se faz cinema compraram essa comunidade criativa. Assim, a
América empresarial procura administrar a América criativa. Mas
não funciona. Somos adultos, podemos controlar a nós mesmos.
Pergunta - Você está sendo sincero?
Spielberg- Bem, eu tenho uma
empresa, e, evidentemente, tenho
um compromisso de negócio na
DreamWorks, e é preciso fazer
uma série de filmes para não
afundarmos. Temos que fazer filmes que eu próprio não escolheria para dirigir, mas que são calculados para o prazer das multidões. Como cineasta, acho que
sou muito fiel a mim mesmo. Faço apenas o tipo de filme que quero fazer, sem precisar pensar no
público ou no sucesso. Vivo muito à vontade com essa personalidade dupla.
Pergunta - Em sua idade, você
ainda tem energia suficiente para
voltar-se a esse lado infantil em novos trabalhos?
Spielberg- Tenho mais energia
hoje, na casa dos 50 anos, do que
tinha quando fiz "E.T.", com 30 e
poucos anos. Nunca fiz um filme
por razões comerciais, exceto, talvez, a segunda parte de "Jurassic
Park". Fiz as duas seqüências de
"Indiana Jones" por prazer pessoal, porque me divertia, além de
também intuir que seriam sucessos comerciais.
Pergunta - O que o motiva na hora de aceitar um projeto como diretor?
Spielberg- Como E.T., tenho
uma luz dentro do coração.
Quando essa luz brilha, digo
"sim" e dirijo um filme.
Pergunta - Como você acha que
as novas tecnologias vão afetar o
futuro do cinema, começando pelo
vídeo digital?
Spielberg- Acho que, na medida
em que as pessoas continuarem a
contar histórias, não importa o
meio que escolham para fazê-lo.
Você pode contar uma história
num videogame e oferecer ao público liberdade maior para interagir e até para modificar a narrativa. Pode fazê-lo digitalmente ou,
como eu, à moda antiga. Todas
essas novas tecnologias me fazem
feliz.
Pergunta - A revista "Première"
situou você no segundo lugar na
lista das pessoas mais poderosas
de Hollywood. Você realmente se
sente tão poderoso assim?
Spielberg- A única lista em que
acredito é "A Lista de Schindler".
Pergunta - Pretende convidar o
refugiado do Charles de Gaulle para a estréia de "O Terminal"?
Spielberg -Provavelmente o
convidaremos para a estréia em
Paris.
Tradução de Clara Allain
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