São Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 2004

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CINEMA

Spielberg diz que tem "compromisso de negócio" e que produz filmes que ele mesmo não escolheria para dirigir

Diretor vê Hollywood "criativa e liberal"

DO "PAÍS"

Leia a continuação da entrevista com Steven Spielberg, diretor de "O Terminal"
 

Pergunta - Qual é sua opinião sobre a barreira que está sendo construída para separar os dois países?
Spielberg-
A única coisa que posso dizer é que espero que seja temporária. Ela foi erguida como defesa contra os suicidas. Mas acho que é necessária.

Pergunta - No próximo ano será o 30º aniversário da estréia de "Tubarão". Fazendo uma retrospectiva, como você vê sua carreira?
Spielberg-
"Tubarão" foi meu Vietnã, embora essa comparação possa não ser muito apropriada. Digo isso com toda a felicidade que me causou seu sucesso, que, a partir desse dia, me proporcionou a liberdade para fazer qualquer filme que eu quisesse. "Tubarão" arrecadou tanto dinheiro que me deu a oportunidade de me transformar em artista. Mas conseguir levar aquelas imagens à tela foi o pior pesadelo que vivi em toda minha carreira como cineasta.

Pergunta - Por que?
Spielberg-
Porque trabalhar no mar, com um tubarão mecânico, é uma coisa insana. Eu era suficientemente jovem para encarar essa loucura e suficientemente ingênuo para imaginar que poderia conquistar todos os elementos da natureza. E a natureza não me deu folga durante os 155 dias da filmagem -e acabou vencendo.

Pergunta - E você batalha em Hollywood contra outros tubarões?
Spielberg -
Não. A fama de Hollywood é a de que está cheia de tubarões, mas não é verdade. Também há muita gente que adora contar histórias, fazer filmes, fazer dinheiro, descobrir novos talentos e ser competitiva e criativa ao mesmo tempo. Hollywood, no total, não representa os dentes de um tubarão, ainda que existam determinados indivíduos que o sejam. Na maioria, Hollywood é uma comunidade criativa e progressista, de indivíduos liberais e brilhantes.

Pergunta - Você começou na televisão. Hoje, quando assiste a séries como "Sex and the City", "Six Feet Under" e "A Família Soprano", não acha que a criatividade do cinema americano tenha se refugiado na televisão?
Spielberg-
Sim, é verdade que a criatividade está ali. Mas nem todo mundo possui a mesma capacidade criativa. E os estúdios precisam fazer muitos filmes muito diferentes por ano, e nem tudo pode ser "A Família Soprano" ou "Friends".

Pergunta - Mas você não acha que o cinema virou vítima da obsessão pela bilheteria, pelo resultado comercial?
Spielberg-
Eu, não. Talvez Hollywood sim, mas eu não me sinto assim. Veja bem, Hollywood é um projeto empresarial que começou com muito mais idealismo do que tem hoje. E empresas enormes que desconheciam como se faz cinema compraram essa comunidade criativa. Assim, a América empresarial procura administrar a América criativa. Mas não funciona. Somos adultos, podemos controlar a nós mesmos.

Pergunta - Você está sendo sincero?
Spielberg-
Bem, eu tenho uma empresa, e, evidentemente, tenho um compromisso de negócio na DreamWorks, e é preciso fazer uma série de filmes para não afundarmos. Temos que fazer filmes que eu próprio não escolheria para dirigir, mas que são calculados para o prazer das multidões. Como cineasta, acho que sou muito fiel a mim mesmo. Faço apenas o tipo de filme que quero fazer, sem precisar pensar no público ou no sucesso. Vivo muito à vontade com essa personalidade dupla.

Pergunta - Em sua idade, você ainda tem energia suficiente para voltar-se a esse lado infantil em novos trabalhos?
Spielberg-
Tenho mais energia hoje, na casa dos 50 anos, do que tinha quando fiz "E.T.", com 30 e poucos anos. Nunca fiz um filme por razões comerciais, exceto, talvez, a segunda parte de "Jurassic Park". Fiz as duas seqüências de "Indiana Jones" por prazer pessoal, porque me divertia, além de também intuir que seriam sucessos comerciais.

Pergunta - O que o motiva na hora de aceitar um projeto como diretor?
Spielberg-
Como E.T., tenho uma luz dentro do coração. Quando essa luz brilha, digo "sim" e dirijo um filme.

Pergunta - Como você acha que as novas tecnologias vão afetar o futuro do cinema, começando pelo vídeo digital?
Spielberg-
Acho que, na medida em que as pessoas continuarem a contar histórias, não importa o meio que escolham para fazê-lo. Você pode contar uma história num videogame e oferecer ao público liberdade maior para interagir e até para modificar a narrativa. Pode fazê-lo digitalmente ou, como eu, à moda antiga. Todas essas novas tecnologias me fazem feliz.

Pergunta - A revista "Première" situou você no segundo lugar na lista das pessoas mais poderosas de Hollywood. Você realmente se sente tão poderoso assim?
Spielberg-
A única lista em que acredito é "A Lista de Schindler".

Pergunta - Pretende convidar o refugiado do Charles de Gaulle para a estréia de "O Terminal"?
Spielberg -
Provavelmente o convidaremos para a estréia em Paris.


Tradução de Clara Allain


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