São Paulo, sexta-feira, 10 de setembro de 2004

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POPLOAD

Enxugue as lágrimas e conforme-se: acabou

LÚCIO RIBEIRO
COLUNISTA DA FOLHA

Coce-se. O Streets está nas ruas. Ganhou edição nacional nesta semana o poderoso CD "A Grand Don't Come for Free", novo CD do produtor-prodígio Mike Skinner, rapper branco inglês que foi além-fronteiras com o principal de suas bandas-projeto: The Streets.
Freqüentador assíduo desta coluna desde que lançou o ótimo "Original Pirate Material", em 2002, Skinner é um geniozinho pop do underground que no aconchego de seu quarto, com o computador no colo, desde "Pirate" vem chamando a atenção por fazer o hip hop dialogar com música eletrônica variada e até punk rock. Isso não é a novidade.
Também não é novidade a espertíssima capacidade de Skinner em construir em rimas o cotidiano de um carinha ordinário inglês. O que tem problemas de grana, odeia o trabalho, ama futebol, é viciado em game, não troca nada por um pub com amigos e vive em altos e baixos nos relacionamentos amorosos. Cara comum.
O negócio é que, de um dia para o outro, Skinner saiu do circuito indie para alcançar o povo. Streets virou popular na Inglaterra. Megapopular. Tanto que virou objeto de estudo sociopolítico no Reino Unido. Tudo por causa do segundo single de "A Grand Don't...", o CD que sai no Brasil. A música: "Dry Your Eyes".
"Grand" é um disco de uma história só. Da primeira à última faixa. E, quase no final, vem a arrebatadora, romântica, triste "Dry Your Eyes", um poema sobre rap tosco, calminho, sobre o inconformismo de um cara quando a garota o larga. "Enxugue os olhos, companheiro. Eu sei que você gostaria de fazê-la ver o quanto está doendo. Mas o jeito é desencanar, esquecer. Está acabado", diz parte do refrão.
Por causa da dolorida "Dry Your Eyes", o álbum, depois de dois meses lançado, foi içado ao primeiro lugar da parada inglesa de álbuns durante o final de julho e quase agosto inteiro. A música, claro, estacionou no topo do chart de singles e lá ficou, soberana.
Aí a Inglaterra parou para tentar entender por que uma música daquele apelo era sucesso no país inteiro. Porque o moleque de dentes tortos Skinner está longe de ser um galã popular e nunca havia vendido muitos discos, fora do seu alcance, hum, independente. E, de repente, lá estava "Dry Your Eyes" tocando no "Sunday Love Songs", de Steve Wright, famoso programa standard de "românticas", quase só de flashbacks, da Radio Two.
A discussão, nas rádios, nos jornais, talvez até no Parlamento, é que uma música tão baixo-astral como essa conseguia o feedback popular nas vendagens por causa da fossa em que vive a população inglesa. Seja desde pela derrota da seleção inglesa na Eurocopa, por causa do clima de terrorismo que assombra a Europa ou porque a situação econômica do inglês comum não está nada fácil.
"Dry Your Eyes" ainda deve causar outros estragos no baixo-astral inglês. A música que está no disco não é a idéia original pensada por Skinner. A faixa foi gravada com um convidado especial que, por conflitos de gravadora, não pôde ir para a versão final de "Grand". O refrão da música, que pede para Skinner desencanar do amor perdido, seria cantado por Chris Martin, do Coldplay.
Parece que a única vez em que ela apareceu ao público foi num programa de uma rádio americana, no começo do ano. Mas, depois, Skinner foi impedido de mostrá-la por causa dos entraves comerciais. Mas, logo, logo, essa versão escapa à superfície.

lucio@uol.com.br


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