|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA/ "HOMENS SANTOS E DESERTORES"
Bortolotto confirma maturidade
SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA
Ele tem três peças em cartaz
na cidade e defende todas
com unhas e dentes. E não é porque se consagrou em longa militância no teatro alternativo que
adere a qualquer inovação. No
seu blog não perde tempo com diplomacia: desdenha dos "dramaturgos participativos" que compartilham a autoria com os atores
e não vai ver peça que puxa o público para o palco. Odeia ser chamado de "despretensioso", por
desconfiar que seu despojamento
é confundido com um estilo "deixa-que-eu-chuto" que o condenaria a uma eterna adolescência.
Não é o caso. Sem perder o cinismo irreverente e mau humorado, Mário Bortolotto amadurece.
Basta comparar este seu último
texto, "Homens, Santos e Desertores" com os outros dois em cartaz. Tanto em "O Cara que Dançou Comigo", peça dos primeiros
tempos em que rodava os festivais
amadores, quanto em "Brutal",
encomenda para uma formatura
de escola de teatro, vibra um revigorante universo de HQs, algo entre a caricatura e a tragédia grega,
como em "Sin City".
Aqui, no entanto, os personagens são redondos, verossímeis,
evoluem deixando entrever pouco a pouco suas fragilidades. Em
tom quase confessional, um ex-seminarista recebe as visitas algo
forçadas de um adolescente em
busca de certezas: seu pai sumiu,
sua mãe o envergonha com sua
promiscuidade. É fácil reconhecer
os traços do autor, e não só porque é ele mesmo quem o representa, com uma sutileza e contenção notáveis. Na disposição em
ouvir o jovem, se reconhecendo
nos medos, chamando-o para a
vida sem paternizar, Bortolotto se
entrega de bandeja.
Por outro lado, ele também é o
jovem cheio de dúvidas. Gabriel
Pinheiro, que em "O que Restou
do Sagrado" se entregava sem pudor à caricatura, revela-se um ator
realista com imensas possibilidades, intenso e centrado.
Com a direção firme de Fernanda D'Umbra, que não só compartilha intensamente o universo do
autor como traz para ele um olhar
feminino ao mesmo tempo terno
e distanciador, o espetáculo ganha a densidade de um ritual de
passagem, capaz de perturbar
profundamente a platéia. Como
D'Umbra faz também a iluminação, tirando belos efeitos de magros recursos, e a trilha é feita por
Bortolotto, com um estilo fácil de
imitar, mas de eficácia difícil de
atingir, a impressão de intimidade compartilhada é irresistível.
Ao inaugurar o segundo espaço
dos Satyros na praça Roosevelt, e
arcar com a responsabilidade que
já foi de Plínio Marcos, a de porta-voz dos excluídos, nem por isso se
limita Bortolotto ao que o rótulo
de "alternativo" pode ter de precário. É um autor para se pôr ao
lado de Eugene O'Neill, ou de
Naum Alves de Souza, com quem
divide a inquietação em relação a
Deus. E assim como D'Umbra
brilha no "teatrão" ao lado, o público do Cultura Artística pode se
arriscar sem medo: a vocação da
praça é romper fronteiras.
Homens, Santos e Desertores
Texto: Mário Bortolotto
Direção: Fernanda D'Umbra
Com: Mário Bortolotto e Gabriel Pinheiro
Onde: Espaço dos Satyros 2
(pça. Franklin Roosevelt, 184,
Consolação, SP, tel. 0/xx/11/ 3255-2829)
Quando: sáb. (21h30) e dom. (20h30);
até outubro
Quanto: R$ 15
Texto Anterior: Poema: "O Martelo" Próximo Texto: Teatro: "Chanel" pode virar "Irma Vap", diz atriz Índice
|