São Paulo, sábado, 10 de setembro de 2005

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CRÍTICA/ "HOMENS SANTOS E DESERTORES"

Bortolotto confirma maturidade

SERGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Ele tem três peças em cartaz na cidade e defende todas com unhas e dentes. E não é porque se consagrou em longa militância no teatro alternativo que adere a qualquer inovação. No seu blog não perde tempo com diplomacia: desdenha dos "dramaturgos participativos" que compartilham a autoria com os atores e não vai ver peça que puxa o público para o palco. Odeia ser chamado de "despretensioso", por desconfiar que seu despojamento é confundido com um estilo "deixa-que-eu-chuto" que o condenaria a uma eterna adolescência.
Não é o caso. Sem perder o cinismo irreverente e mau humorado, Mário Bortolotto amadurece. Basta comparar este seu último texto, "Homens, Santos e Desertores" com os outros dois em cartaz. Tanto em "O Cara que Dançou Comigo", peça dos primeiros tempos em que rodava os festivais amadores, quanto em "Brutal", encomenda para uma formatura de escola de teatro, vibra um revigorante universo de HQs, algo entre a caricatura e a tragédia grega, como em "Sin City".
Aqui, no entanto, os personagens são redondos, verossímeis, evoluem deixando entrever pouco a pouco suas fragilidades. Em tom quase confessional, um ex-seminarista recebe as visitas algo forçadas de um adolescente em busca de certezas: seu pai sumiu, sua mãe o envergonha com sua promiscuidade. É fácil reconhecer os traços do autor, e não só porque é ele mesmo quem o representa, com uma sutileza e contenção notáveis. Na disposição em ouvir o jovem, se reconhecendo nos medos, chamando-o para a vida sem paternizar, Bortolotto se entrega de bandeja.
Por outro lado, ele também é o jovem cheio de dúvidas. Gabriel Pinheiro, que em "O que Restou do Sagrado" se entregava sem pudor à caricatura, revela-se um ator realista com imensas possibilidades, intenso e centrado.
Com a direção firme de Fernanda D'Umbra, que não só compartilha intensamente o universo do autor como traz para ele um olhar feminino ao mesmo tempo terno e distanciador, o espetáculo ganha a densidade de um ritual de passagem, capaz de perturbar profundamente a platéia. Como D'Umbra faz também a iluminação, tirando belos efeitos de magros recursos, e a trilha é feita por Bortolotto, com um estilo fácil de imitar, mas de eficácia difícil de atingir, a impressão de intimidade compartilhada é irresistível.
Ao inaugurar o segundo espaço dos Satyros na praça Roosevelt, e arcar com a responsabilidade que já foi de Plínio Marcos, a de porta-voz dos excluídos, nem por isso se limita Bortolotto ao que o rótulo de "alternativo" pode ter de precário. É um autor para se pôr ao lado de Eugene O'Neill, ou de Naum Alves de Souza, com quem divide a inquietação em relação a Deus. E assim como D'Umbra brilha no "teatrão" ao lado, o público do Cultura Artística pode se arriscar sem medo: a vocação da praça é romper fronteiras.


Homens, Santos e Desertores
    
Texto:
Mário Bortolotto
Direção: Fernanda D'Umbra
Com: Mário Bortolotto e Gabriel Pinheiro
Onde: Espaço dos Satyros 2 (pça. Franklin Roosevelt, 184, Consolação, SP, tel. 0/xx/11/ 3255-2829)
Quando: sáb. (21h30) e dom. (20h30); até outubro
Quanto: R$ 15



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