São Paulo, sábado, 10 de setembro de 2005

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ROMANCE/ "MICHELANGELO, O TATUADOR"

Marinheiro mostra arte da tatuagem

SANTIAGO NAZARIAN
ESPECIAL PARA A FOLHA

A história da tatuagem tem diversas origens. Assim como a pintura, surgiu em povos primitivos de todas as partes do mundo e se desenvolveu com diferentes técnicas, significados e simbologias. Para retratar o universo da tatuagem, a jovem escritora inglesa Sarah Hall poderia ter seguido várias direções. Poderia focalizar o cenário clubber do final do século 20, as tribos indígenas e suas escarificações, os artistas performáticos de body art, mas optou por se dedicar àquele que talvez seja o mais rico imaginário sobre o tema: uma arte de marinheiros.
"Michelangelo, o Tatuador" é um romance de marinheiro, embora quase a totalidade da narrativa se desenvolva ancorada. Muitas das figuras pertinentes ao tema estão presentes: navios, sereias, bruxas, gigantes, animais amestrados, gêmeas siamesas, areia movediça. Entretanto, o tratamento que a autora dá a elas é de um realismo simbólico, identificando essas figuras míticas no mundo real de um tatuador; flertando com o fantástico, mas não se entregando a ele de fato. E é essa a delícia do livro.
O romance conta a história de Cyril Parks, filho de um marinheiro com uma pseudobruxa, que, na adolescência, no começo do século 20, começa a aprender a arte da tatuagem em sua terra natal, a cidade litorânea de Morecambe, no norte da Inglaterra. Após a morte de sua mãe e de seu mestre, Cyril muda-se para os EUA, onde passa a trabalhar como tatuador num show de aberrações em Coney Island e conhece a mulher que seria sua "Capela Sistina".
A forma como Sarah Hall acompanha toda a vida do personagem e a falta de acontecimentos extraordinários faz com que, muitas vezes, o texto mais se pareça com uma biografia romanceada do que com um romance de ficção. Consciente disso, a própria autora aproveita os agradecimentos finais do livro para ressaltar que se trata de um texto de ficção. Cyril poderia representar qualquer tatuador real de sua época, nem genial nem imperito.
Esse tom biográfico, que suprime hipérboles, pode ser visto como um mérito para alguns, mas como um afrouxamento para outros. A primeira parte do livro, por exemplo, focaliza a infância e adolescência de Cyril com uma latência tão rica, que acaba criando uma expectativa no leitor por maiores desdobramentos nos momentos seguintes, coisa que não acontece. À medida que a narrativa se desenvolve, o protagonista perde força e os coadjuvantes parecem surgir apenas para compor um cenário. O Michelangelo Elétrico, alcunha do personagem e título original do romance, é desligado da tomada.
Ainda assim, a capacidade dissertativa da autora e todo o panorama que se revela ao redor do personagem fazem com que "Michelangelo, o Tatuador" seja uma experiência enriquecedora. Não é à toa que foi um dos finalistas do Booker Prize do ano passado. Sarah Hall é uma mulher que mergulha fundo em universos alheios e que tem talento para descobrir a verdade, seja ela suave ou dolorosa.

Santiago Nazarian é escritor, autor dos livros "Olívio" (ed. Talento), "Feriado de Mim Mesmo" (ed. Planeta), "Parati para Mim" (ed. Planeta) e "A Morte sem Nome" (ed. Planeta)


Michelangelo, o Tatuador
   
Autor:
Sarah Hall
Tradução: Vera Whately
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 39 (320 págs.)


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