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ROMANCE/ "MICHELANGELO, O TATUADOR"
Marinheiro mostra arte da tatuagem
SANTIAGO NAZARIAN
ESPECIAL PARA A FOLHA
A história da tatuagem tem
diversas origens. Assim como a pintura, surgiu em povos
primitivos de todas as partes do
mundo e se desenvolveu com diferentes técnicas, significados e
simbologias. Para retratar o universo da tatuagem, a jovem escritora inglesa Sarah Hall poderia ter
seguido várias direções. Poderia
focalizar o cenário clubber do final do século 20, as tribos indígenas e suas escarificações, os artistas performáticos de body art,
mas optou por se dedicar àquele
que talvez seja o mais rico imaginário sobre o tema: uma arte de
marinheiros.
"Michelangelo, o Tatuador" é
um romance de marinheiro, embora quase a totalidade da narrativa se desenvolva ancorada. Muitas das figuras pertinentes ao tema estão presentes: navios, sereias, bruxas, gigantes, animais
amestrados, gêmeas siamesas,
areia movediça. Entretanto, o tratamento que a autora dá a elas é
de um realismo simbólico, identificando essas figuras míticas no
mundo real de um tatuador; flertando com o fantástico, mas não
se entregando a ele de fato. E é essa a delícia do livro.
O romance conta a história de
Cyril Parks, filho de um marinheiro com uma pseudobruxa, que,
na adolescência, no começo do
século 20, começa a aprender a arte da tatuagem em sua terra natal,
a cidade litorânea de Morecambe,
no norte da Inglaterra. Após a
morte de sua mãe e de seu mestre,
Cyril muda-se para os EUA, onde
passa a trabalhar como tatuador
num show de aberrações em Coney Island e conhece a mulher
que seria sua "Capela Sistina".
A forma como Sarah Hall acompanha toda a vida do personagem
e a falta de acontecimentos extraordinários faz com que, muitas
vezes, o texto mais se pareça com
uma biografia romanceada do
que com um romance de ficção.
Consciente disso, a própria autora aproveita os agradecimentos finais do livro para ressaltar que se
trata de um texto de ficção. Cyril
poderia representar qualquer tatuador real de sua época, nem genial nem imperito.
Esse tom biográfico, que suprime hipérboles, pode ser visto como um mérito para alguns, mas
como um afrouxamento para outros. A primeira parte do livro,
por exemplo, focaliza a infância e
adolescência de Cyril com uma latência tão rica, que acaba criando
uma expectativa no leitor por
maiores desdobramentos nos
momentos seguintes, coisa que
não acontece. À medida que a
narrativa se desenvolve, o protagonista perde força e os coadjuvantes parecem surgir apenas para compor um cenário. O Michelangelo Elétrico, alcunha do personagem e título original do romance, é desligado da tomada.
Ainda assim, a capacidade dissertativa da autora e todo o panorama que se revela ao redor do
personagem fazem com que "Michelangelo, o Tatuador" seja uma
experiência enriquecedora. Não é
à toa que foi um dos finalistas do
Booker Prize do ano passado. Sarah Hall é uma mulher que mergulha fundo em universos alheios
e que tem talento para descobrir a
verdade, seja ela suave ou dolorosa.
Santiago Nazarian é escritor, autor dos
livros "Olívio" (ed. Talento), "Feriado de
Mim Mesmo" (ed. Planeta), "Parati para
Mim" (ed. Planeta) e "A Morte sem Nome" (ed. Planeta)
Michelangelo, o Tatuador
Autor: Sarah Hall
Tradução: Vera Whately
Editora: Nova Fronteira
Quanto: R$ 39 (320 págs.)
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